quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

17 de Dezembro

Ah, jamais hei de esquecer aquele 17 de Dezembro!
Essas datas perto do Natal sempre marcam, especialmente se estiverem perto do dia 25.
Lembro que minha família se preparava para viajar, e que lá na outra cidade, tudo estava tranquilo e bonito. Nos reuniríamos na casa da minha avó, como de costume, e cantaríamos ao som do violão do meu tio até 4 horas da manhã, lembrando do meu falescido avô.
Nesse dia, que caiu num sábado, o céu havia amanhecido claro-cinza, e tudo estava indo bem até demais. Havia passado no colégio sem mais preocupações [fora algumas recuperações, claro], o Natal com minha avó seria muito bom e o mar, ah, o mar que eu iria ver em breve me fazia lembrar dos meus momentos de paz.
O computador que meu pai havia comprado recentemente era bom, sim. Tinha até internet!
Pra um garoto de 15 anos, até que eu tinha uma vida legal. As coisas naquele ano de 1994 eram bem diferentes do que são hoje. Não tínhamos todas essas regalias que os jovens de hoje tem. Namorar? Só depois que toda a família de ambas as partes fossem conhecidas, e esse negócio de ir passar Natal fora era coisa de gente rica. Minha mãe trabalhava no comércio da cidade velha, num escritório de contas. Papai era vendedor, por isso não tinha um salário fixo. Dessa forma, era um mérito pra gente poder ir sem preocupações pra outra cidade. Tudo bem que o meu colégio devia estar atrasado uns 4 meses, mas dava pra fazer um esforço pra pagar em Janeiro, quando mamãe fosse receber o décimo terceiro salário.
Foi justamente no ano de 1994 que nos mudamos pra cá. A cidade é boa, tem pessoas legais, mas às vezes é muito pacata. Essa gente do interior é estranha. Tenho vagas lembranças de como minha mãe conheceu meu pai. Salvo engano foi num bar da cidade grande, um tal de 'Travessia', que era o bar do momento naquela época. Meu pai, que sempre foi festivo e estava morando com amigos numa casa alugada, vivia saindo pra esses cantos. Segundo ele, ele era o 'gatão' das festas. Mas o tempo vai passando, e percebemos que as coisas mudam. Vem tecnologia, vem e vão presidentes, desastres catástrofes, ah, várias coisas. Mas não quero me demorar a contar essa estória.
A internet naquela época estava começando a surgir, não tínhamos muitas opções de comunicação. No meu colégio, que eu não tinha ido antes por pensar que era caro demais, havia sido criada uma sala de bate papo num site para que as pessoas de cada sala pudessem se comunicar. Tudo começou no meio do ano, em Junho mais ou menos, quando ela me adicionou no que hoje chamamos de 'Perfil do Usuário' da comunidade online do colégio. Tudo aquilo era uma inovação, claro, nunca imaginávamos, em 1990, por exemplo, termos acesso a outras pessoas do outro lado da cidade pelo computador. O próprio Bill Gates, alguns anos antes, afirmou que não precisaríamos de um chip com mais de 128kb para processar nossas informações. Enfim, voltando ao principal, ela adicionou o meu Perfil da comunidade como um de seus contatos. O tempo foi passando e eu, ocupado com muitas outras coisas, não dava a mínima pra esse negócio via internet. Até que um dia, me vi sem nada pra fazer e liguei o computador [que, por sinal, ainda era um daqueles que faziam um 'beep' quando se apertava o botão de ligar]. Passei um tempo lendo as notícias dos novíssimos jornais 'online' e depois dediquei parte do meu tempo à comunidade do colégio. Então, vi o perfil dela. Tinha algo estranho escrito na informação 'cidade'. Algo sobre duas árvores, não lembro direito, mas isso me chamou a atenção. Então comecei a puxar assunto com ela, via internet mesmo. Era uma pessoa bacana, tinha um papo legal, e só depois eu vim perceber que ela era aquela garota que havia engessado o pé e tinha de ser carregada pelo porteiro nos braços até o primeiro andar por não poder subir as escadas. Eu morria de rir com aquilo!
Após uns dois meses do meu comentário 'ei, gostei do que tem escrito lá' ela veio conversar comigo. Interessante que o nome dela começava com a mesma letra do meu e que nossos aniversários eram no mesmo mês, diferente apenas em alguns dias. Nos tornamos bons amigos, de fato. Conversávamos sobre os dramas familiares, sobre o que tava acontecendo no mundo, até sobre música, que eu estava começando a apreciar um pouco mais. Já dizíamos 'eu te amo' antes de nos despedirmos, e dávamos abraços contagiantes no colégio, com direito a algumas conversas rápidas, mas tão maravilhosas! Foi então que se aproximava o dia que intitula esse conto. Era última semana de prova, lembro. Havia ficado em sete recuperações nesse bimestre, o que me tirou totalmente o tempo pra lazer. Ao término da semana, dei um suspiro de alívio tão grande que acho que minha mãe, que estava tomando banho quando eu cheguei, deve ter ouvido. Joguei a bolsa na cama e fui pro computador. E lá estava ela, toda linda, com uma rosa à frente do nome. Me convidou pra sair à noite, o irmão dela iria se apresentar num espetáculo de Natal. Eu já havia combinado com uma amiga minha para ir também, mas disse que aparecia por lá.
Passei o resto do dia descansando, quando só às 18 horas comecei a me aprontar. Coloquei um perfume bom, e minha melhor combinação de roupas. Acho que foi o banho mais demorado do ano. Cheguei na casa da minha amiga atrasado, e fizemos um rápido cooper até o local da apresentação, que era bem próximo à casa dela. As arquibancadas estavam todas postas de modo a formar um retângulo ao redor do palco circular, parecido com os velhos teatros gregos. Subimos, eu e minha amiga, à arquibancada mais alta. O espetáculo ainda ia começar, quando avistamos o pessoal que estudava lá no colégio sentados em cadeiras à frente da arquibancada que ficava do outro lado do diâmetro do palco, exatamente de frente para nós. Acenamos e eles retribuíram. Aquelas pessoas ao lado dela eram da família, reconheci pela idade de alguns e carinhos com outros. O espetáculo foi bom, e no meio do mesmo, uma garotinha de uns 6 anos vestida de anjo chegou para me oferecer uma rosa de papel crepon. 'É pra ajudar os meninos carentes, moço' disse ela. Não resisti e comprei. Rapidamente pensei 'porque não oferecer a rosa a ela?' mas como diabos eu ia fazer isso, eu não sabia. Perguntei à minha amiga e ela foi simples na resposta 'chega lá e entrega'. Mas só de pensar que um daqueles caras lá podia ser o pai dela, minhas pernas tremiam todas. Foi quando a vi levantando com a avó e saindo do espaço delimitado pelas arquibancadas. Iam a caminho do banheiro, que por sinal ficava atrás da arquibancada em que eu estava. De repente, me vi descendo as escadas ao som de algumas músicas natalinas, e indo pelo caminho que dava a volta na arquibancada paralela, de forma a seguir o mesmo caminho que elas, que já estavam voltando. Meu rosto corou e esquentou, enquanto a avó dela olhava pra mim e tentava entender direito se tinha ouvido um 'é pra você' e visto minha mão erguida com a rosa rosa azul de papel crepon implorando pra ser pega. Ela pegou, com um sorriso bobo no rosto, e me apresentou a avó dela. Ela me chamou pra sentar do lado dela, mas não poderia fazer isso. Não sem antes chamar minha amiga, que deveria estar morrendo de rir da minha cara lá de cima, observando tudo. Fui lá então, e chamei-a pra me acompanhar. Descemos e fomos nos sentar perto do resto do pessoal. Sentei ao lado dela! A olhei por uns instantes e dei-lhe um beijo rápido na bochecha. O tempo passou tão rápido depois disso que logo me vi em casa. Perto dela eu me senti em casa.

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