domingo, 21 de dezembro de 2008

Ana e o Mar - Segunda e Última Parte do Último Ato

'Now, you have two ways to make. The way of scorpion and the way of the phoenix'

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Ainda de pé, um olhou para o outro. Se viram acima do subsolo, sobre o disco voador de Liberdade. Era a última marcha, o dia que decidiria tudo o que estava por vir. Tudo aquilo que precisou de mil anos para se resolver seria resolvido nessa última batalha. Os Palhaços de Alexandria provavelmente já deveriam estar mais perto da Terra das Sombras, pensou Joakim. Amália podia sentir o que o irmão estava pensando. Em como tudo aquilo começou, em como iria se concretizar o desfecho desse conto que durou tanto tempo.
Ganhar a batalha não era apenas uma questão de realizar um dever deixado por Deva, mas também significava salvar o mundo de um mal que tentou governar e atrapalhou a vida da população de uma forma tão catastrófica que até a mais bonita das florestas pereceu. Ganhar essa batalha significava ir a favor de tudo aquilo que as gerações anteriores foram construindo, e também continuar o legado deixado pelos primeiros Palhaços que pisaram no Mundo.
Para algumas pessoas, ver um Palhaço ou conversar com um é uma coisa tão mágica que parece que o momento não vai acabar. O brilho no olho da criança e o sorriso que o tempo muitas vezes deforma dos idosos transformam a vida de qualquer um. É gratificante você saber que o dia de alguém mudou por sua causa. E chega até a ser engraçado o que algumas crianças fazem, coisas como estirar o dedo ou mostrar a língua, tentando intimidar um ser que eles tanto querem que o abracem e brinque. É tudo lindo.

*

O disco levantou vôo. O céu estava claro agora, a velocidade com que o mesmo avançava sobre as nuvens era incrível. Joakim, Amália, T, Liberdade, Vida, Pétala e Nina, juntos, se sentiam invencíveis.

*

Do outro lado do Mundo...

- Eles podem vir em milhares, mas não abrirei os braços para isso. Vou vencer. De novo.

*

Do narrador aos leitores.

De fato, a mágika de Pied era muito poderosa. Palhaços de todas as partes do Mundo tinham perecido sob seu poder, até mesmo os mais poderosos. O próprio Deva teve dificuldades de aprisioná-lo da última vez. Talvez, se Sadhi não estivesse louco, tanto Deva como Olivier com certeza estariam enterrados agora. Treva é um dom muito poderoso, apesar de macabro. Tão poderoso que Deva criou apenas um Palhaço com esse Dom e outros 7 para poder fazer a lei do equilíbrio valer. Na verdade, foram criados diretamente por Deva 8 Palhaços. Um permaneceu em exílio eterno. Esse Palhaço sofreu tanto pelo seu dom que foi nomeado de Piedade, porque o que ele mais precisava de todos os outros que o cercavam era isso, piedade. Mas todos o olhavam diferente. Ninguém o estendeu a mão quando ele precisou. Só um, em todo o Mundo. Sadhi. Apesar de louco, era muito esperto. Sabia que a rejeição de Piedade por parte dos outros Palhaços o faria um bom aliado quando soubesse que a intenção era dominar o Mundo e selecionar os Palhaços que iriam governá-lo. Foi a melhor estratégia que ele podia ter feito. Ao término da Guerra do Fogo e com a morte de Sadhi, Pied foi confinado na Terra das Sombras por Deva. Sua magia foi selada por mil anos, de forma que só nos tempos atuais ele pôde se libertar. O que ele não esperava é que sua mágika foi selada não em um amuleto ou local, mas em uma pessoa. Quando se guarda mágika em uma pessoa, para retirar essa energia contida é usada a técnica que os magistas humanos chamam de 'Desenredar'*. O portador da energia tem de ir liberando-a aos poucos, caso contrário, o tempo fará com que a mágika acumulada apodreça, e tome conta do corpo, que vai ficar doente até a energia ser liberada por completo. O pai de Ana é descendente direto do primeiro humano em que a energia de Pied foi aprisionada, por isso continha grande parte de toda essa energia, que foi sendo liberada aos poucos, por isso o mesmo ficou doente. Até que um Palhaço foi criado dessa concentração de energia. Medo só apareceu uma vez, e foi na Guerra da Planície de Gonda. Hoje, voltou no corpo do pai de Ana. E é ele quem vai ajudar Pied.

*

Lá de cima já podia se ver aquelas nuvens negras e podia-se, também, ouvir o som dos trovões que dividiam o céu em tantos pedaços. Aquela horda de Palhaços marchando era vista, também. Milhares, milhões, infinitas máscaras olhavam pra um mesmo local, com um mesmo objetivo e com a mesma força. De repente, do ar pôde-se sentir a terra tremer, e um pilar com uma luz roxa foi visto crescendo até o céu e liberando uma energia jamais antes sentida. Uma onda de energia derrubou algumas das árvores sem vida e alguns dos combatentes. O disco, podia-se jurar, sofreu uma leve alteração no seu curso. Foram então, os Filhos do Sol, cada um para um lado. Alguns Palhaços precisavam de liderança. Criaturas mágicas começaram a aparecer do nada, estavam sendo evocadas pelos evocadores da magia. O terreno, todo em pântano, estava mais negro do que nunca. Começou a chover. Desceram à Terra, quando aquele Palhaço empunhando duas espadas foi visto. Ele sumiu como um raio aparece. Então, corpos voando ao meio do exército foram vistos. Gritos e luzes e mágikas e trovoadas. Um único Palhaço dando conta de todo um exército. Foi então que viu-se Joakim e T entre os Palhaços e eles foram ficar frente a frente com Medo.

- Daqui você não passa; Joakim estava encharcado por conta da chuva. O cheiro de morte era sentido em qualquer local e alguns corpos estavam perto dele. Sua máscara estava diferente. Um olhar diferente, uma aura diferente.

- Eu não vim para lutar. Eu vim pra vencer; Medo desembainhou sua outra espada para confrontar o filho do sol.

Guizos rolaram pelo ar e seu som era ouvido até onde o olho podia enxergar. Uma legião de mortos vivos se ergueu do pântano. Eram esqueletos de gente e de animais, pessoas que um dia pensaram, viveram e até amaram. Era incrível o modo como Vida os repelia. Eles nem conseguiam tocá-la, ao menos. Nina, Amália e Pétala protegiam os guerreiros do exército com escudos de flores e mentais. Arco íris nasceu e um cometa veio descendo. T estava olhando fixamente para o céu naquela hora e de si saía uma aura boa. Com a queda, alguns esqueletos foram derrubados, e uma ventania foi fortemente sentida quando aquela boneca alta começou a girar seus acessórios.
Do outro lado, Joakim levava uma surra do outro Palhaço. Amália conseguiu se esquivar do toque dos carniçais e chegou até onde ele estava. A espada estava em seu pescoço, quando T, Nina, Pétala, Vida e Liberdade se viraram e uma luz enorme foi vista. Alguns ficaram encadeados e os mortos-vivos que estavam por perto evaporaram. Uma luz azul e roxa foi vista e nem Amália nem Joakim estavam mais lá. Segurando a espada com uma mão, um Palhaço vestido de azul e rosa, com um chapéu de bobo-da-corte e levitando estava lá em frente ao Medo.

- Há quanto tempo.

O Palhaço do inimigo olhava estranho mas com um sorriso irônico no canto da boca.

- Agora vou ter um oponente à altura. Então, como foi o tempo separado, Olivier?

- Melhor que o seu, garanto.

Sumiram com uma velocidade incrível e reapareceram voando no céu. Os outros Filhos do Sol estavam tendo trabalho contra os esqueletos, mas os Palhaços de Alexandria estavam sendo de grande ajuda. Mas aquele castelo começou a subir dentro do pântano. Um riso histérico ouvido por todos fez tremer os mais fracos.

- Vaaamos Filhos do Sol, vamos dançar!

Boom! A explosão abriu uma cratera imensa em que apenas os que sabiam voar e os que ficaram sob o disco de Liberdade se safaram da queda. Pied foi visto. Com metade do corpo preta e a outra metade branca, ele trazia um naipe, apenas um sob sua máscara. Espadas. Os esqueletos pararam quando ele chegou. Seu olhar era frio e indiferente e sua presença dava arrepios. Desceu devagar, passo por passo, as escadas que levavam às portas do castelo.

- Quantos de vocês vieram para me enfrentar?

Silêncio. A única coisa que se ouvia era Olivier e Medo duelando céu acima.

Pied não esperou nada acontecer nem ninguém falar, começou a retalhar tudo e todos pela frente. Gritos, almas, mágika, tudo voando sem rumo. Até que o céu, vermelho, se abriu. Um Palhaço roxo desceu como uma estrela, e um grito fou ouvido. Até que o clarão tomou conta de tudo.

'Jai Guru Deva. Om.'

Fim.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Ana e o Mar - Primeira Parte do Último Ato

'Somente o amor é capaz de unir os corações. Só ele pode tudo'


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Longa viagem enfrentaram os iluminados. Dez dias viajando interminavelmente, com o horizonte a cada dia que se passava se alongando. Joakim, Amália, Liberdade e T finalmente estavam chegando perto do final. Ana iria ser recuperada, por fim, e todo aquele mal que teve início há mil anos iria ser deposto. A Floresta da Lembrança estava caída. O cheiro de morte era sentido em todos os lugares, e até mesmo as flores estavam desaparecendo. Foi quando, a caminho da viagem, numa das terras das Planícies de Gonda, alguém pôde ver o disco voador, protegido por mágika forte. Liberdade era uma ótima magista. Joakim ficou parado observando, enquanto Pétala e Amália conversavam alguma coisa sobre árvores.


- Liberdade, olha só aquilo.


Liberdade imediatamente virou-se para baixo, enquanto Joakim, que estava com o dedo erguido apontando para os Palhaços, que estavam lá em baixo colhendo aquela rosa morta, e ficou observando.
O transporte parou de repente, enquanto todos se abaixavam pra olhar.
A rosa estava murcha, e um dos Palhaços a pegou em sua mão como uma mãe toma o filho aos braços pela primeira vez. Um dos Palhaços usava uma boina quadriculada em preto e branco, e sua boca era preta como a cor da meia-noite. O outro, tinha cores por todos os lados, e usava uma meia calça colorida que combinava com sua bolsa.
A rosa na mão do palhaço que tinha a boca cor da noite começou a reviver. Primeiro começou a se mexer, como quem dá um primeiro suspiro de vida depois de alguns momentos de desespero. Depois, algumas folhas começaram a crescer novamente, e o seu cheiro revigorado inundou uma área gigante. Ficou tão linda, mas tão linda, que aquele Palhaço não podia ser outro, senão Vida.
Vida foi o Palhaço que Deva colocou o dom mais bonito. De tão lindo e poderoso que era o dom, o próprio foi o que deu o nome ao Palhaço que o porta. É sinal de força, perseverança. Joakim admirava muito isso. E talvez aquele Palhaço fosse o mais indicado dentre todos pra guiar ao caminho mais certo entre os que eles têm a escolher.
O disco começou a descer levemente, e Liberdade abriu um sorriso gigantesco com aquilo que acabara de presenciar. Os outros permaneceram curiosos, apenas.


- Viiiiiiiiida!


Os dois Palhaços pararam e ficaram olhando para Liberdade, que mal esperou o disco tocar o chão pra poder descer e ir correndo de braços abertos. As duas se abraçaram num abraço tão gostoso, mas tão gostoso, que quando o raio de sol que há na máscara de Liberdade tocou o ombro de Vida durante o abraço, um sol surgiu nos olhos daquela que carrega consigo o dom maior. Era o 5º Filho do Sol que estava ali, à espera deles. O outro Palhaço, a quem se apresentou posteriormente, se chamava Nina. Pararam naquela planície depois de muito andar. Parecia que o Mundo chamava todos os Palhaços para ajudá-lo. Disseram, as duas, que uma marcha de Palhaços de todos os tipos havia partido de Alexandria no dia anterior, e estavam se dirigindo, de todas as formas possíveis, para a Terra das Sombras. Como eles ficaram sabendo do que estava acontecendo, não se sabe, mas todos estavam dispostos a ajudar o Mundo a se tornar um local melhor. Com tanta coisa ruim, com tanta gente precisando, com tanto roubo e desgraça, alguns muitos Palhaços se sensibilizaram. Ser Palhaço não é apenas colocar uma máscara e sair por aí com um sorriso no rosto, mas também saber que um abraço às vezes cura uma ferida, e que esse sorriso que é carregado consigo pode mover montanhas. O 'exército' contava com todos os tipos de Palhaço, e pela primeira vez na história do Mundo, uma marcha tão grande foi vista em prol de um único objetivo. Quando souberam disso, os viajantes do disco voador olharam uns para os outros e ficaram tão felizes que decidiram partir imediatamente para buscar Pétala, que estava em Brobdingnag. Faltava pouco para chegarem.


*


Brobdingnag havia se tornado uma arena de batalha. Todos os gigantes brigavam por qualquer coisa que quisessem e qualquer coisa que lhes chamassem a atenção de modo que desejassem-na. O continente estava realmente se deteriorando, com algumas imensas paredes de gelo derretendo e as brigas sendo cada vez mais destrutivas. Era como se alguma coisa estivesse tomando conta da mente deles. Alguma coisa realmente muito ruim. O céu do continente era cor de fogo, apesar do frio ser sentido até a espinha da alma. O chão, que agora podia ser visto, pois o calor da batalha derreteu a vasta camada de neve que o cobria, estava todo rachado, como se o alicerce que segura o continente estivesse quebrando. Na verdade, a ligação entre as criaturas estavam se quebrando. O mal lançado ao Mundo por Pied foi tão poderoso que até os sacerdotes dos templos racharam sua fé.
Os Filhos do Sol puseram o pé no continente ao mesmo tempo que a lua se escondia nas estrelas.
Rapidamente, foram teletransportados para o imenso labirinto que se escondia no interior daquele continente-iceberg. Os corredores eram gélidos, e a sorte é que Liberdade conhecia aquele local de cor.
Ao longe, no que aparentava ser o centro do local, uma luz forte brilhava, e uma oração dava pra ser ouvida em todo o labirinto. Caminhando um pouco, todos apreensivos, chegaram ao centro da charada. Pétala estava ajoelhada, sobre um esquife de gelo que continha um corpo, e era ela que estava orando.

- Amália, você lembra que viemos aqui para ressucitá-lo da outra vez?; perguntou Joakim, apreensivo.

- Lembro sim, Kim; Amália respondeu de uma forma que deu a entender um 'eu não apóio'.

- Talvez ele seja uma boa ajuda.

- Nem pense.

E ele se calou. Joakim pensava que isso realmente poderia ser de grande ajuda para conseguir derrotar Pied, mas quando se lembrou da horda de Palhaços que estavam se dirigindo para a Terra das Sombras, raciocinou que talvez não precisassem de fato, daquilo.
Pétala terminou sua oração. Fez um lacre para impedir qualquer magia vinda de fora penetrar no corpo de Sadhi. Ela era realmente muito bonita. Usava uma faixa azul na cabeça e um vestido florido que ia até o começo dos joelhos, cobertos por meias coloridas e enormes. Branca como a neve que que a cercava, tinha um olhar doce e tenro, apesar de ser um poço de ignorância às vezes. Quando se levantou, todos olharam para ela, e depois se entreolharam.

'Está na hora'.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

17 de Dezembro

Ah, jamais hei de esquecer aquele 17 de Dezembro!
Essas datas perto do Natal sempre marcam, especialmente se estiverem perto do dia 25.
Lembro que minha família se preparava para viajar, e que lá na outra cidade, tudo estava tranquilo e bonito. Nos reuniríamos na casa da minha avó, como de costume, e cantaríamos ao som do violão do meu tio até 4 horas da manhã, lembrando do meu falescido avô.
Nesse dia, que caiu num sábado, o céu havia amanhecido claro-cinza, e tudo estava indo bem até demais. Havia passado no colégio sem mais preocupações [fora algumas recuperações, claro], o Natal com minha avó seria muito bom e o mar, ah, o mar que eu iria ver em breve me fazia lembrar dos meus momentos de paz.
O computador que meu pai havia comprado recentemente era bom, sim. Tinha até internet!
Pra um garoto de 15 anos, até que eu tinha uma vida legal. As coisas naquele ano de 1994 eram bem diferentes do que são hoje. Não tínhamos todas essas regalias que os jovens de hoje tem. Namorar? Só depois que toda a família de ambas as partes fossem conhecidas, e esse negócio de ir passar Natal fora era coisa de gente rica. Minha mãe trabalhava no comércio da cidade velha, num escritório de contas. Papai era vendedor, por isso não tinha um salário fixo. Dessa forma, era um mérito pra gente poder ir sem preocupações pra outra cidade. Tudo bem que o meu colégio devia estar atrasado uns 4 meses, mas dava pra fazer um esforço pra pagar em Janeiro, quando mamãe fosse receber o décimo terceiro salário.
Foi justamente no ano de 1994 que nos mudamos pra cá. A cidade é boa, tem pessoas legais, mas às vezes é muito pacata. Essa gente do interior é estranha. Tenho vagas lembranças de como minha mãe conheceu meu pai. Salvo engano foi num bar da cidade grande, um tal de 'Travessia', que era o bar do momento naquela época. Meu pai, que sempre foi festivo e estava morando com amigos numa casa alugada, vivia saindo pra esses cantos. Segundo ele, ele era o 'gatão' das festas. Mas o tempo vai passando, e percebemos que as coisas mudam. Vem tecnologia, vem e vão presidentes, desastres catástrofes, ah, várias coisas. Mas não quero me demorar a contar essa estória.
A internet naquela época estava começando a surgir, não tínhamos muitas opções de comunicação. No meu colégio, que eu não tinha ido antes por pensar que era caro demais, havia sido criada uma sala de bate papo num site para que as pessoas de cada sala pudessem se comunicar. Tudo começou no meio do ano, em Junho mais ou menos, quando ela me adicionou no que hoje chamamos de 'Perfil do Usuário' da comunidade online do colégio. Tudo aquilo era uma inovação, claro, nunca imaginávamos, em 1990, por exemplo, termos acesso a outras pessoas do outro lado da cidade pelo computador. O próprio Bill Gates, alguns anos antes, afirmou que não precisaríamos de um chip com mais de 128kb para processar nossas informações. Enfim, voltando ao principal, ela adicionou o meu Perfil da comunidade como um de seus contatos. O tempo foi passando e eu, ocupado com muitas outras coisas, não dava a mínima pra esse negócio via internet. Até que um dia, me vi sem nada pra fazer e liguei o computador [que, por sinal, ainda era um daqueles que faziam um 'beep' quando se apertava o botão de ligar]. Passei um tempo lendo as notícias dos novíssimos jornais 'online' e depois dediquei parte do meu tempo à comunidade do colégio. Então, vi o perfil dela. Tinha algo estranho escrito na informação 'cidade'. Algo sobre duas árvores, não lembro direito, mas isso me chamou a atenção. Então comecei a puxar assunto com ela, via internet mesmo. Era uma pessoa bacana, tinha um papo legal, e só depois eu vim perceber que ela era aquela garota que havia engessado o pé e tinha de ser carregada pelo porteiro nos braços até o primeiro andar por não poder subir as escadas. Eu morria de rir com aquilo!
Após uns dois meses do meu comentário 'ei, gostei do que tem escrito lá' ela veio conversar comigo. Interessante que o nome dela começava com a mesma letra do meu e que nossos aniversários eram no mesmo mês, diferente apenas em alguns dias. Nos tornamos bons amigos, de fato. Conversávamos sobre os dramas familiares, sobre o que tava acontecendo no mundo, até sobre música, que eu estava começando a apreciar um pouco mais. Já dizíamos 'eu te amo' antes de nos despedirmos, e dávamos abraços contagiantes no colégio, com direito a algumas conversas rápidas, mas tão maravilhosas! Foi então que se aproximava o dia que intitula esse conto. Era última semana de prova, lembro. Havia ficado em sete recuperações nesse bimestre, o que me tirou totalmente o tempo pra lazer. Ao término da semana, dei um suspiro de alívio tão grande que acho que minha mãe, que estava tomando banho quando eu cheguei, deve ter ouvido. Joguei a bolsa na cama e fui pro computador. E lá estava ela, toda linda, com uma rosa à frente do nome. Me convidou pra sair à noite, o irmão dela iria se apresentar num espetáculo de Natal. Eu já havia combinado com uma amiga minha para ir também, mas disse que aparecia por lá.
Passei o resto do dia descansando, quando só às 18 horas comecei a me aprontar. Coloquei um perfume bom, e minha melhor combinação de roupas. Acho que foi o banho mais demorado do ano. Cheguei na casa da minha amiga atrasado, e fizemos um rápido cooper até o local da apresentação, que era bem próximo à casa dela. As arquibancadas estavam todas postas de modo a formar um retângulo ao redor do palco circular, parecido com os velhos teatros gregos. Subimos, eu e minha amiga, à arquibancada mais alta. O espetáculo ainda ia começar, quando avistamos o pessoal que estudava lá no colégio sentados em cadeiras à frente da arquibancada que ficava do outro lado do diâmetro do palco, exatamente de frente para nós. Acenamos e eles retribuíram. Aquelas pessoas ao lado dela eram da família, reconheci pela idade de alguns e carinhos com outros. O espetáculo foi bom, e no meio do mesmo, uma garotinha de uns 6 anos vestida de anjo chegou para me oferecer uma rosa de papel crepon. 'É pra ajudar os meninos carentes, moço' disse ela. Não resisti e comprei. Rapidamente pensei 'porque não oferecer a rosa a ela?' mas como diabos eu ia fazer isso, eu não sabia. Perguntei à minha amiga e ela foi simples na resposta 'chega lá e entrega'. Mas só de pensar que um daqueles caras lá podia ser o pai dela, minhas pernas tremiam todas. Foi quando a vi levantando com a avó e saindo do espaço delimitado pelas arquibancadas. Iam a caminho do banheiro, que por sinal ficava atrás da arquibancada em que eu estava. De repente, me vi descendo as escadas ao som de algumas músicas natalinas, e indo pelo caminho que dava a volta na arquibancada paralela, de forma a seguir o mesmo caminho que elas, que já estavam voltando. Meu rosto corou e esquentou, enquanto a avó dela olhava pra mim e tentava entender direito se tinha ouvido um 'é pra você' e visto minha mão erguida com a rosa rosa azul de papel crepon implorando pra ser pega. Ela pegou, com um sorriso bobo no rosto, e me apresentou a avó dela. Ela me chamou pra sentar do lado dela, mas não poderia fazer isso. Não sem antes chamar minha amiga, que deveria estar morrendo de rir da minha cara lá de cima, observando tudo. Fui lá então, e chamei-a pra me acompanhar. Descemos e fomos nos sentar perto do resto do pessoal. Sentei ao lado dela! A olhei por uns instantes e dei-lhe um beijo rápido na bochecha. O tempo passou tão rápido depois disso que logo me vi em casa. Perto dela eu me senti em casa.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Ana e o Mar - Última Parte do Terceiro Ato

'Já chegou o disco voaadoooor.'

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O dia havia amanhecido cinza. Todos ainda estavam atordoados pelo acontecido: Ana havia sido levada pelo Palhaço que se autodenominou 'Medo'. Nem a chegada de Liberdade, a 5ª Filha do Sol, fez com que todos se animassem totalmente. Estavam todos na sala da casa de Amália, na Floresta da Lembrança, estudando o que poderiam e deveriam fazer. Arnaldo estava dormindo, havia ficado doente por ter 'deixado' que levassem Ana. Liberdade chegou naquela hora exata. Foi um dos Filhos do Sol que Deva deixou responsável por zelar o corpo de Sadhi*. Quando por fim desceu à terra, viu o corpo de Amália, Joakim e T, o único que tinha ficado consciente, velando por Arnaldo, também caído.

- Que droooga! Como pode? Ele era só um! Só um! Nós somos três cara, três! Três dos Palhaços mais poderosos que pisaram nessas terras! E só um, uuum Palhaço conseguiu nos derrubar!; Joakim estava totalmente anormal.

- Caaalma, Kim! Tu acha que Pied ia mandar um Palhaço de quinta pra pegar a gente é?; amália disse, totalmente receosa. Liberdade só fazia ouvir, olhando pela janela pensativa, com a mão no queixo enquanto sentava na cadeira de pano. T, como sempre, só olhando os dois discutirem.

- Calma? Você me pede pra ter calma? A gente passa mil anos, miiil anos vivendo aqui com uma única finalidade e começamos falhando com isso? Eu não entendo!; e passaeva de um canto do outro da sala, colocando a mão no queixo, às vezes na cabeça, pensando no que fazer.

- Liberdade, alguma idéia?; Amália estava rezando pra ver o irmão se aquietar logo. Parece que, na divisão, ele ficou com a parte do 'estresse'.

- É, Liberdade, alguma idéia?; Joakim repetiu quase que imediatamente a fala da irmã, como quem sai de um transe. Até com um tom nervoso e rápido ele falou.

- Faltam 3 de nós, cara! Assim não dá, né? E deu um sorrisinho com os olhos brilhando. Vamos atrás desses três. Um eu já sei onde tá, tava comigo guardando o corpo de Sadhi. Os outros dois eu não sei bem onde estão, mas isso se acha, 'né'?

Joakim ficou se perguntando de onde ela tinha tirado esse 'né'.

- Então tá bom, por mim tudo bem. Todos de acordo?

Todo mundo balançou a cabeça depois de ver o ataque que Joakim tinha dado e a proposta que ele fez.

- Mas como a gente vai fazer pra ir pra lá de novo?; Amália perguntou fazendo cara de quem não tem dinheiro pra gastar.

- Vamos da mesma forma que voltamos, minha gatxenha! Montados num disco voador!; Liberdade parecia realmente estranha aos olhos dos outros. Palavras estranhas, costumes estranhos e viajar num disco voador! Mas, apesar de tudo, todos estavam se divertindo com ela.
Então, ela pegou um disco negro que estava pendurado sob seu pescoço e o colocou no chão.
Amália, que estava desacordada quando eles voltaram começou a rir.

- Vamos nisso daí? perguntou.

- Eeeei, 'nisso' não! É muito especial! Vou colocar ele lá fora, e ele vai crescer bem muitão e a gente sobe nele e vai pra lá e zaz**!

Todos caíram na risada, mas se contentaram. Já estava ficando de tarde, e a fme estava apertando. Alguns machucads ainda doíam, como o chute que Joakim havia levado. Arnaldo teria de ser deixado no hospital de Alexandria, eles acharam melhor não levá-lo pra não colocá-lo mais em risco. Sem contar que sua febre estava forte, e ele estava até delirando.

*

Após o almoço, Liberdade colocou o disco [imaginem esse disco como um vinil] na copa [copa de árvore, não de cozinha] da casa de Amália e falou algo estranho. Do nada, aquele objeto estranho começou a crescer e flutuar rapidamente, abrindo espaço para todos os Filhos do Sol se acomodarem para essa longa viagem. Passaram por Alexandria, enquanto todo mundo observava aquele disco voador, e Liberdade logo à frente do mesmo, fazendo pose de herói com s braços na cintura e a cabeça soerguida olhando para o nada. Arnaldo foi deixado no melhor hospital da cidade. 'Voltamos em uma semana' disse Joakim. Enquanto isso, do outro lado do Mundo, o outro Filho do Sol já os esperava. Chamava-se Pétala, e era um dos mais bonitos. Nasceu da vontade de Deva de tornar o Mundo mais bonito, por isso recebeu esse nome.
Tudo estava se juntando.

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Nota

* Bem, algumas pessoas vieram me perguntar sobre onde, de fato, estaria o corpo de Sadhi, pois em uma das postagens anteriores, essas pessoas se confundiram quanto à leitura ou então eu fiz uma coisa subliminar demais para ser entendida sem explicação.
De fato, na Guerra do Fogo, no Deserto de Sadhi, foi colocado um túmulo em homenagem à batalha, mas Deva retirou o corpo de Sadhi de lá e o colocou no Continente Gelado, em Brobdingnag, sob os cuidados de Liberdade e Pétala.

** Sim, o 'zaz' é da turma do Chaves. O Palhaço, na vida 'real' também fala isso, então resolvi colocar aqui como homenagem.

P.S. Qualquer dúvida sobre o conto de Ana e o Mar, postem aqui como comentário que eu respondo.

Augusto Carvalho

domingo, 30 de novembro de 2008

Ana e o Mar - Terceira Parte do Terceiro Ato

'Que o tempo corrói'.

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Ana parecia REALMENTE não acreditar no que estava vendo. Ela conhecia aqueles olhos, aqueles olhos cor de deserto. Virou a cabeça pra um lado e pro outro, tentando encontrar alguma coisa mas não sabia o que. Amália não estava com eles, era verdade mesmo. Joakim colocava um dos guizos que havia tirado do bolso em sua luva e T ainda estava tentando achar Amália, em vão, com o olhar. Aquele Palhaço continuava imóvel, observando-os. Arnaldo se escondeu atrás de Ana, que foi caindo, catatônica, bem devagarzinho. Ele a segurou e amparou sua queda.

- Onde está Amália?; Joakim ficou estranho de repente. Seu olhar ficou, de alguma forma, negro.

- Em algum lugar que você, agora, não pode chegar, Olivier; o Palhaço respondeu como quem dar uma ordem e é apático ao mesmo tempo.

Uma pedra de gelo gigantesca foi erguida do chão, aparentemente do nada.

- Eu não vou perguntar de novo.

- Nem eu responderei novamente.

A pedra foi arremessada. Arnaldo se jogou por cima de ana pra tentar protegê-la de alguma coisa que ele não sabia o que era. A poeira gelada levantada pelo vácuo deixado atrás da pedra foi, de certa forma, grande.
Mas uma lâmina cortou o ar, e logo todo aquele pedaço de gelo foi visto dividido, enquanto o inimigo brandia sua espada com apenas uma mão.

- Você não vai conseguir me atingir, Olivier. Não dessa vez. Vou levar a menina comigo agora, é claro.

Luz! Uma bola de fogo foi arremessada por detrás de Arnaldo, e T foi visto avançando em cima do inimigo. Rápido, um estava de cara pro outro. Arnaldo viu T parado no ar por um instante, como se voasse, com seu punho quase tocando a face do outro. Como luz, o inimigo puxou uma carta de baralho do bolso e a colou na testa de T, que caiu. Joakim já estava ficando mais diferente ainda, quando viu o inimigo sumir e aparecer bem ao seu lado.

- Droga, ele se teletransporta!; pensou. Levantou o punho mas recebeu um chute no estômago que doeu proporcionalmente à velocidade com que foi investido. Joakim voou longe, e Arnaldo colocou Ana nos braços com muito esforço e começou a correr. Mas logo se viu sem ela, do nada, como se ela tivesse se desmaterializado em seus braços. E a sensação de inutilidade foi enorme.
Então, ele se viu apagando.

*

Novamente no castelo, ele sentia medo.

- Decidiu o que vais fazer?

- Decidi sim. Vou criar todos os 7; falou com um certo pesar na voz.

- Até Treva?

- Até Treva. Foi isso que foi-me imposto. Equilíbrio. Se eu não o fizer, tudo vai se desequilibrar, e algum deles com certeza vai se corromper, porque os nós vão pedir isso. Então eu prefiro conhecer a fundo o que eu criar a deixar qualquer um dos outros se transformar em algo que eu desconheço.

- Mas o que impede dele contaminar os outros?

- Nada. E o que lhe diz que ele vai contaminar?

- Também nada. Mas em que eu posso ajudar agora?

- Quer que você vá na Terra das Sombras.

Olivier olhou assustado.

- Fazer o que?

- Me traga...

Joakim acordou de súbito. Agora estava no mesmo porto em que tinha desembarcado, e Amália ao seu lado, ambos sob cuidado de outro Palhaço. E ela deu a ele uma sensação de liberdade.

sábado, 29 de novembro de 2008

=D²

Mermaaaaaaaaaaaaao, isso daqui é só um blog de poesia e tal, mas caraca, muuuuito boa notícia recebi agora!
Manel passou na primeira etapa do vestibular com uma pontuação muuuito boooa! *-*
Maneeeeeel, tudo de bom pra ti e pra teu irmão velho, eu amo vocês! *-*

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

aar(n)tigo

Que culpa corroendo é mesmo que artigos jornal.
Que marés que não viram páram e só olham.
Doce mar, perdeu meu cantar.
Dói, dói.
Lose you makes me hurt,
makes me suffer to much,
on the void,
i feel that i'm falling.
You make me sick.
É, todo dia é a mesma falta.
E eu me visto de você,
mas mesmo assim você não me olha.
Porque, eu nao sei.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Ana e o Mar - Capítulo Especial - A Ilha dos Pensamentos

À seu Romério, que me ajudou bastante.



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O palhaço se sentou em frente à pessoa que precisava.

- Como é seu nome?

- Augusto [ainda pensou em dizer ‘Joakim’].

- E o do senhor?

- Romério.

- Ai vida difícil...

- O que foi, rapaz?

- Ah, problemas do coração.

O senhor ficou encarando-o, enquanto marretava a bigorna do martelo que estava construindo.

- Mas você é tão novo, rapaz. Qual tua idade?

- 17.

O senhor abriu um sorriso.

- Eu tenho um filho da tua idade, e sempre que posso, aconselho ele. Olhe, vou lhe contar uma estória, chama-se ‘A Ilha dos Pensamentos’.



Havia uma ilha distante, onde viviam todos os pensamentos. Nela, vivia o amor, a tristeza, o rancor, o tempo, o ódio, a raiva, a alegria, a emoção, a razão, o bem, o mal, a saudade, a lembrança, a fé, a crença, a ilusão, a vida, o vazio, o romance; enfim, todos os sentimentos que podem existir.
Um dia, nessa ilha começou a chover, e a mesma estava ficando submersa e, com ela, todos os sentimentos estavam morrendo. Sendo que aconteceu de um deles querer salvar todos os outros que estavam se afogando. Amor começou a pegar um por um e colocar nos botes que haviam na ilha. Colocou o tempo, a tristeza, a alegria, o rancor, a saudade, todos eles, sendo que, ao olhar pros lados, viu que não haviam sobrado nem um bote no qual ele pudesse se salvar. Então, quando estava se afogando e quase desmaiando, sentiu uma mão lhe puxar pelo braço, mas não pôde ver quem era, e desmaiou antes disso.
Quando acordou, já em terra, foi perguntar quem o tinha salvado, mas parecia que não encontraria.

- Tristeza, foi você quem me salvou?

- Não.

- Saudade, foi você quem me salvou?

- Não.

- Fé, foi você quem me salvou?

- Não.

Parece que ele já tinha perdido a esperança de procurar, até que, enfim, encontrou quem o havia salvo.

- Tempo, foi você que me salvou?

- Foi sim.

- Mas porque , entre todos, foste o único a me salvar?

- Só o tempo pode salvar o amor. Nenhuma dor é maior que a perda do amor, ou de um amor, de forma que só eu posso ajudá-lo.

[...]


O palhaço estava com os olhos lacrimejando, lágrimas que não vinham dos seus trocadilhos, nem da sua máscara. E o senhor continuou:

- Olhe, tudo o que você quer pode acontecer, mas primeiro você deve ter três coisas.

Nessa hora, um amigo de seu Romério tinha se sentado do lado, mas logo saiu. Só então, ele pôde perguntar:

- E quais são essas três coisas?

- Eu vou lhe dizer. Primeiro você precisa ter fé, acreditar que o que você quer vai acontecer. Quando se acredita, se pode tudo, rapaz, tudo.

Ele ficou cabisbaixo, às vezes olhando para seu Romério com o olho meio torto.

- Segundo, você tem que retirar todas as mágoas do seu coração. Todas as pessoas que lhe fizeram guardar esse rancor, retire essas partes ruins de si, jogue fora tudo de ruim que estiver aí dentro, porque, pra que uma coisa boa aconteça, nada de mal pode estar guardado. Jogue fora, deixe o orgulho de lado, e seja feliz.

Uma pausa gigante foi dada.

- A terceira coisa é a mais difícil. Chama-se P-A-C-I-Ê-N-C-I-A. Sem ela, nada do que você quer acontece. Pode durar mil anos, mas se você estiver com essas três coisas, tudo o que você quiser vai acontecer. Tudo.

E conversaram ainda mais, e o palhaço saiu satisfeito. Pesado, mas satisfeito.



-



na Fazenda do Sol, em 16 de Novembro de 2008.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Ana e o Mar - Segunda Parte do Terceiro Ato

'toda Alexandria sucumbirá quando o Medo retornar. Eles vacilaram em suas escolhas, e, agora, só nos resta esperar pelo tempo.'

- Palavras do Oráculo de Ramuh

*

O continente era realmente gelado. O porto não passava de uma ponte semi-destruída de madeira íngreme, com seus pilares já corroídos pelo tempo. A neve, branca como nunca se viu, tinha várias marcas de pegadas, pois o local, de alguma forma, não permitia-se ventar. O navio atracou um pouco antes, pois o solo escuro havia ficado menos submerso. Foram Ana, Joakim, Amália, T e Arnaldo num único bote, pois eles eram as únicas pessoas que ficariam naquele lugar. Pisaram em solo após cerca de 10 minutos tentando conduzir o barquete. As luzes da montanha mais vistosa estavam beeeem distantes, mas mesmo assim ainda dava para vê-las.

- Pensei que não iríamos chegar nunca! ; Arnaldo deu um suspiro enquanto desembarcava.

- Pois é; Joakim estava apreensivo, com seu cachecol preto com alguns detalhes rosas ao fim, e suas luvas não mais semi-cerradas. Colocou as mãos nos bolsos e desceu do bote.

Amália observou, ainda sentada, tudo o que a sua vista lhe propunha. Enquanto observava, ouviu-se o rugir das duas chaminés que estavam indo ao longe, e as únicas luzes que iluminavam aquele mar gélido sumiram no horizonte sem deixar vestígios.

- Vamos, T, se não morremos congelados aqui!; e deu seu costumeiro sorriso enquanto se apoiava no seu irmão de mágika. Desceram do bote e todos estavam à neve. Havia uma bruma pesada nos limites de seus olhos, e a única coisa que estava nítida eram as estrelas que se confundiam com as luzes.

*
- Eles já estão lá, posso sentir.
Quero que você vá agora.

- Sim, senhor.

*
- Pronto, senhor idéia brilhante, o que vamos fazer agora?; Amália encarou Joakim como quem se sente superior diante da situação.

- Faça uma varredura telepática pela área e veja quantas criaturas temos para nos preocupar.

Amália colocou as duas mãos à cabeça, apoiada nos seus indicadores e dedo médio.
De repente, ela viu o Mundo de cima.
Girava rapidamente, como um movimento de quem passa pelo tempo.
Sua atmosfera mudava com a mesma velocidade com que girava, e ela se viu pairando no universo, como uma coisa inimaginável, como uma coisa que não se imagina, como um navio ancorando no universo, sem porto nem cais, nem rota e nem nós.
Então ela o viu.
Era ele, tinha certeza.
Duas caveiras em seus ombros, botas pontudas e amarelas, indo até o joelho, uma calça verde por debaixo delas, e uma espécie de enchimento sob sua blusa, mais parecida com uma armadura, vermelha. Usava uma máscara metade branco, metade preto, que ia até o lobo traseiro de seu crânio. Duas espadas formavam um ‘X’ em suas costas, e eram espadas grandes, parecidas com as armas exóticas utilizadas pelos antigos cavaleiros medievais.
Em sua mão esquerda, uma tatuagem do coringa que se usa em baralhos, e em sua mão direita, o desenho de um balão vermelho.
Olhou para ela, que de repente se viu caindo do alto das estrelas e parando no local conhecido como Terra das Sombras.

- O que vocês pretendem, Amália de Liverá?; sua voz soava forte e branda, como uma rocha inabalável, como uma pedra de diamante, que não se quebra nem com a mais forte martelada.
Amália estava extática, se perguntando como ele poderia ter entrado em sua mente. De fato, era uma mágika muito poderosa, que só em olhar para ele, dava aquela sensação só sentida por ela uma vez em sua existência, aquela sensação ruim, que nos faz oscilar e pensar duas vezes antes de fazer qualquer coisa grande, aquela sensação que nos dá um sentimento de impotência, de infantilidade. Medo.

- Como você conseguiu entrar na minha mente?; ela fazia de tudo para não se mostrar fraca, mas sabia que quando ele a observava no fundo dos olhos era que ele sentia o medo fluir nas veias dela. E era justamente isso que ele queria.

- Meus poderes não têm precedentes. Ainda mais agora.

- Como assim, ainda mais agora?

- Foi a idiotice daquele menina que me libertou, você sabe, não sabe? Você sabe que a partir de agora tudo vai ser diferente, e você sabe que o medo que faz com que você trema agora é proveniente do que nós estamos fazendo. O maior erro de vocês foi ter me aprisionado naquele corpo, humano e frágil.

- Idiotice sua pensar que vamos nos render tão fácil assim. Você é só um, nós somos s...

- Sete? Tem certeza disso? Porque você acha que nenhum dos outros apareceu até agora? Porque você acha que se sente fraca a cada dia que se passa?

- Já chega de perguntas!

- Não, ainda não. Durma.

Do lado de fora, não se havia passado nem um segundo. Joakim havia virado para Ana para brincar com Arnaldo quando sentiu, do nada, a energia de Amália desaparecendo, e ela caiu, como quem se enfraquece de repente. A caminho da queda, Arnaldo, T e Ana viram-na flutuando, num baque silencioso e lento. Joakim estava se concentrando. ‘Mente sobre matéria’, pensou Ana. T a tomou em seus braços e Joakim tirou de sua sacola uma coberta, colocando Amália deitada sobre ela.

- Você sentiu?; Joakim olhou com um olhar diferente para T, que balançou a cabeça assertivamente.

Foi-se visto a bruma acima deles se dissipando junto a um portal de luz repentino. Se viram, num piscar de olhos, sob uma superfície gelada e, pela pressão, entendia-se ser essa superfície bem elevada. Um Palhaço foi visto parado, olhando para eles. Usava botas amarelas, uma máscara contrastante e duas espadas nas costas. Ana olhou, em estado de choque. Ele virou a cabeça para os quatro, agora sem Amália, e parou em Joakim e T. Quando olhou para Ana, ela o reconheceu como a quem reconhece uma roupa que usava quando criança, ou como quem reconhece um irmão, mesmo depois de muitos anos sem vê-lo. Então ela olhou como quem, inconfundivelmente, reconhece um pai.

Então ele disse, em tom de desdém:

- Oi, ‘filha’.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Ana e o Mar - Primeira Parte do Terceiro Ato

‘o céu é o mar de cabeça pra baixo.’

-

O clima estava pesado na masmorra do castelo. Os tubos borbulhavam enquanto o cheiro de mágika se espalhava por todos os lados. Era forte a percepção de que algo grande estava sendo planejado e efetuado.

- Então, como você pretende fazer isso?

- Eu ainda não sei, tenho muito o que pensar ainda; e começou a andar pela sala maquinando mil e uma coisas. Ele aparentava ser razoavelmente jovem, mais ou menos uns 35 anos, mas era bastante sábio. Usava uma roupa em sua maioria roxa, um colarinho branco e tinha os quatro naipes do baralho em seu corpo. Espadas no braço direito, Ouro na cabeça, Copas no meio do busto e Paus no braço esquerdo - Os poderes têm de ser divididos igualmente, pra não sobrecarregar nenhum deles e, caso haja formação de ‘afinidades’ entre alguns, isso não prejudique os outros.

- Claro, inclusive se você quer realmente manter esse equilíbrio, o que, particularmente, acho bastante difícil.

- Eu sei, Olivier, por isso pedi pra que você viesse imediatamente me ajudar.

- Então, deixe-me ser presunçoso, que nós temos guardado?

- Piro, Lux, Natura, Efêmera, Spiritum, Psique, o qual já foi contemplado e...Treva; ele deu uma parada dura e um suspiro nesse último.

- Dividamos um para cada um, então. É a forma mais simples que nós temos e podemos fazer.

- Você está louco? Há alguns dons que são mais poderosos que outros! Quando estivermos moldando o caráter deles é que nós teremos uma noção melhor de como dividir tudo isso. Mas você já está com sua Psique no nível máximo, não?

- Acho que sim.

- Então pronto, você será de grande ajuda nisso tudo. Sua Telecinése e Telepatia serão de grande ajuda.

- Pode contar comigo; e saiu voando pela janela da torre mais alta. Este tinha metade azul e metade cor-de-rosa, bem como um sol gigantesco também cor-de-rosa nas costas, contornado por uma coroa dourada de tamanho equivalente. Ouvia-se, ao seu mover, um barulho agradável, semelhante àquele da Criação do Universo, e tinha, também, um único naipe em seu corpo. Era Copas, e ficava do lado esquerdo do peito. Seus olhos eram verdes, e ele usava faixas nas pernas, contornando-as em espiral, cada qual numa cor, distribuídas entre vermelho, azul, rosa e laranja.

O outro sentou-se na cadeira mais próxima, com os 6 potes de cores diferentes à sua frente. O que diabos iria fazer com aquilo? Pensou em distribuir igualmente, mas não poderia fazer isso, seria injusto com alguns. Só com alguns, pensou.


*

T acordou mais cedo que todos naquele dia. Seu sol estava mais claro e forte, e sua fome aumentando ainda mais. Joakim e Amália já haviam acordado [ao mesmo tempo, como todos os dias] e apenas Arnaldo e Ana continuavam dormindo, cobertos, com aquele cobertor de folhas de sequóias. Decidiram, por fim, ficarem todos no mesmo quarto: assim poderiam conversar sobre algo interessante ou até mesmo se conhecer melhor. Ana, na noite passada, descobriu que cada Filho do Sol tem um Dom Sacro, dado por Deva na hora da Criação. Joakim podia mover as coisas com a força do pensamento. A esse poder, foi dado o nome de Telecinése, que representa o poder da mente sobre a matéria e se inclui entre os 7 ciclos mágicos da natureza, Psique. Amália podia ler a mente das pessoas e sentir tudo com o mesmo poder. Também derivado da Psique, ela chamava isso de Telepatia. T podia , de alguma forma que ele não sabe como, controlar e ‘fabricar’ fogo. É o mais estranho dos poderes vistos por Ana e Arnaldo, e eles ficaram preocupados pois quase que o quarto era incendiado na noite que se passou. Pirocinése é o nome dado a essa capacidade.

T ouviu gargalhadas quando saiu para o convés do navio. O mar estava negro de gelo, e o céu, a cada hora que passava, parecia mais denso. Nem parecia aquele mar azul e o céu também azul visto alguns dias atrás. Estavam se aproximando do Pólo Norte do Mundo, e as coisas estavam esfriando. Os risos vinham de Amália, e Joakim aparentemente tinha falado alguma coisa tipicamente idiota.

- O dorminhoco acordou!; Amália abriu aquele sorriso lindo. Estava trajando roupas de frio, incluindo luvas brancas, um casaco feito com fibra de casca de banana gigante e um chapéu com suporte aos ouvidos.

T abriu um sorriso meio sem jeito, e foi dar um abraço nos dois. Terminou acompanhando-os por mais ou menos uma hora, apenas calado, observando o mar e o movimento das não mais existentes grandes ondas.Quando deu a hora do lanche, eles foram acordar Ana e Arnaldo, a dupla invencível, como Joakim tinha começando a zoar. Os dois estavam no meio de uma guerra de travesseiros quando a porta foi aberta. Amália olhou como quem vai reclamar, mas não deu um segundo e um travesseiro voou em sua direção derrubando-a no corredor. Joakim começou a rir e entrou na brincadeira, enquanto T procurava outro travesseiro no guarda-roupas pra entrar na brincadeira. Amália se levantou do chão e entrou no quarto, fechando a porta atrás de si. Uma chuva de plumas foi tomando conta do quarto enquanto duelavam Amália contra Ana, Arnaldo, T e Joakim.

- Tá booom, táá booom, eu me reeeendo!; Amália estava toda descabelada, quase sem casaco e toda coberta de pluma, feita sinteticamente à base de algodão. Que nada, a pessoa não pode nem brincar com vocês! Era pra pelo menos um ter vindo me ajudar!

- Deeeixa de ser besta, tu num é tão forte? Era pra ter ganho da gente tudinho!; Joakim soltou o travesseiro e foi ajudar a irmã a levantar-se. Agora vamo comer que eu to com fome!

- Donaaana, cheeega batendo que a gente derrotou os dois juntos! Ele levantou a mão com os olhos brilhando de felicidade e Ana olhou pra ele pensativa. Se jogou por cima e começou a fazer cócegas enquanto ele gritava ‘socoooooorroo, socoooooorro!’ e todos caíam na risada. É, pensou T, eles me fazem muito bem.

Depois do café, foram todos tirar uma cesta, ou pelo menos tentar fazer isso.
Foi à noite que, estando no convés daquele imenso transporte branco, que foram vistas luzes pelos olhos cor de fogo, e elas vinham de uma grande montanha. O frio foi aumentando gradativamente, e, para quem podia ver, espíritos por toda parte rondavam o local amaldiçoado por Sadhi. Haviam chegado à Brobdingnag.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Universo In-verso I

Eu não tenho mais idade pra ciúmes,
nem paciência pra brincar com facas de dois gumes,
nem idade pra brincar de carinho,
nem mandar cartinhas bonitas.

Eu não tenho mais idade pra me cortar durante o aparo da barba,
nem paciência pra fingir não conhecer quem eu briguei,
nem idade pra idealizar as pessoas,
nem cabeça pra mentir.

Eu não tenho mais a cara que eu tinha,
eu não tenho mais paciência pra fingir não ver meus pais ao dormir,
nem pra desconstruir alguns castelos.

Eu não tenho mais cara pra ser criança.
Eu só tenho cara pra ser eu.
E só.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

[sem título]

Quisera eu ver paz em teus olhos,
e sentir aquele abraço de sempre,
e não me deixar levar pelo momento,
e não te fazer dor e sofrimento.

Quisera eu o fácil ao certo,
te mostrar que não é que eu seja um deserto,
mas é que te gosto tanto,
que nem mesmo faltando um pranto,
eu posso esconder.

Quisera eu contigo estar agora,
na tua presença que minha pele desflora,
te apertar e dizer 'não tema, não chora'.

Quisera eu não ter medo de fazer qualquer ofício,
pensando em me calar pra não tornar mais difícil,
e chorar, pelo menos uma lágrima, porque, com certeza,
não seria desperdício.

Quisera eu ter a maturidade pra lidar com a situação,
a certeza de que não vou jogar teu coração ao chão,
e ver que ter fé e crer é bom,
quando se sabe que o que se pode saber não se sabe.

Quisera eu colocar teu nome nesta dedicatória,
mas nem palavras nem técnicas de oratória
servirão pra te mostrar isso, agora.

Quisera eu dizer o que tá guardado aqui,
quisera eu...

'e não pensa que eu fui por não te amar'

Ana e o Mar - Última Parte do Segundo Ato

'e agora, o amanhã, cadê?'

-

*

Ele foi enterrado lá por ter levado consigo o título de imperador do fogo. Melhor local que o gelo eterno não existe para um ser que tanta morte causou. É o mesmo que fazer uma estátua de um ateu em frente a um templo. Um martírio eterno. A princípio, a idéia não era essa. Não se sabia o que a mágika do seu corpo poderia fazer, nem se ela poderia provir algum tipo de efeito sobre as terras em que estivesse submersa. Mas algo aconteceu, há exatamente quinhentos anos atrás. O evento ficou conhecido como 'A Queda'.


*


O ser supremo pisou naquele gelo com um corpo em mãos. Era um corpo que sangrava, por dentro e por fora, e era um corpo morto. Suas mãos pediam socorro, mas não haveria socorro pr'aquele que abalasse a paz do Mundo. Apesar de tudo, não havia piedade naquele tempo. Apenas um palhaço a carregava consigo e, por isso, este foi exilado nos locais mais sombrios do Mundo, confinado a passar mil anos em segredo e calado, sendo conhecido apenas pelos raios de sol, que pouco penetravam nessas mesmas terras.

Ainda no gelo, cavou um túnel em forma de labirinto, para esconder uma das centelhas mais preciosas de mágika. Nesse labirinto, colocou criaturas monstruosas, desafios inimagináveis, tudo para guardar essa centelha, retirada do corpo mais sub-humano que já foi visto em terra.


*


- E o que você pretende com isso, Joakim?; Amália estava agitada e impaciente.

- Não vamos necessariamente ressucitá-lo, Amália. Precisamos mesmo é da força que o corpo dele abrigava. Sozinhos, jamais penetraremos na Terra das Sombras, já que Pied controla tudo por lá e é um Palhaço que tem mais de mil anos de vida.

- Mas eu também tenho! Nós também temos!; Amália agora havia levantado a voz.

- Sim, Amália, mas ele passou mil anos estudando e conhecendo a mágika, nós passamos mil anos dormindo feito uma fábula! Você acha que tem comparação?

- Que droga, Joakim, você perdeu a noção das coisas! Se ele se revolta contra a gente e perdemos o controle colocaremos o Mundo em mais uma guerra!


T só fazia olhar, assustado, até que entrou no meio dos dois e os mandou, com um gesto, sentar.
Foi quando Arnaldo acordou e a conversa se dissipou no ar como se nunca houvesse acontecido.


- Vamos dormir - disse Joakim, e saiu fechando a porta meio que forte.

Amália continuava assustada e triste ao mesmo tempo, não estava mais reconhecendo seu irmão.
Parece que o tempo que passou adormecido havia afetado a mente que ele tinha. Mas deixa, ela foi dormir.


**


O vento estava forte e frio, e a proa do navio parecia não aquecer de forma nenhuma, Joakim estava esperando ansioso avistar a montanha continental gelada, mas ainda faltariam três dias pra que isso acontecesse. A viagem tem sido cansativa, mas todos os 5 estavam bem alojados. Era um navio grande e branco e azul, com duas chaminés que cuspiam vapor de carvão aos céus, e tinha um nome encravado nele 'Vagamóvel', o qual ninguém entendia porque.

Havia três meses que o Vagamóvel era a morada de Ana, Arnaldo, Amália, T e Joakim.

O navio era realmente aconchegante, tinha dois andares - o que para o Mundo é considerado alta tecnologia - e cada um com cerca de 100 quartos. Os detalhes eram todos em madeira, e os quartos todos suítes e com serviço especializado. A camas forradas com os melhores tecidos e as janelas tão amplas que era como se todo o ar que circula no oceano pudesse adentrar no cômodo.
T se recostou em sua cama, e passou a observar o quarto. Sentia saudades dos tempos de paz, de quando era contra-regra d'O Teatro Mágico, aquela trupe que o acolheu tão bem. Ele lembrou da sua vida, desde o começo, quando não sabia ser palhaço. Pra ele, ser palhaço é coisa simples e humilde, seja brincando com as crianças, seja jogando uma pedra repetidas vezes e não se cansando. Ele parece um boneco, de fato. Sua maquiagem não nega isso, mas no Mundo, a maquiagem é chamada de 'Máscara' e, consequentemente, cada Palhaço tem sua Máscara.
T sempre foi calmo e, apesar de não gostar muito de falar, foi o segundo Palhaço que Deva fez.
Viveu muito tempo antes de conhecer a trupe, lá na Planície de Gonda. Ele era um contador de estórias, e as pessoas o achavam o máximo. Até que um dia, a escuridão tomou conta do mundo. T ficou estagnado, pois foi um dos que mais lutou contra essa escuridão. Sua voz ele fez ecoar por todos os cantos do Mundo, levando paz e sonho pros que precisavam. Doou sua mágika ao arco-íris, e dele fez nascer outro Palhaço, que, convocado, chegou num cometa. Esse Palhaço foi chamado de 'Matraquinha', porque falava demais. A voz de T, depois de tanto esforço pra convocar outro Palhaço para ajudar, foi se esvaindo, e Matraquinha nasceu falante, como o próprio nome diz. Desde esse dia, T, embora muito feliz e satisfeito, e embora tenha ajudado tanto na guerra contra a escuridão, nunca mais proferiu uma palavra só.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Ana e o Mar - Quarta Parte do Segundo Ato

'Jai guru Deva. Om.'

-

De repente, uma enorme luz tomou conta de toda Alexandria e Amália e T começaram a brilhar. Ouviu-se a frase 'Jai guru Deva. Om' de um abismo sonoro que não se sabia origem. Talvez porque, mais uma vez, foi muita energia concentrada num canto só. A criatura, não se sabe como, começou a cair, inconsciente, enquanto via-se suas duas asas cortadas. O baque do corpo no chão foi grande, e Ana e Arnaldo só faziam observar, de longe. Os três sóis emergentes começaram a se extinguir lentamente, e o corpo do monstro havia virado pó. As nuvens haviam voltado ao normal, ea sensação de pavor que tomou conta do povo não existia mais. Amália olhou ao seu redor e reconheceu os nós que constituiam aquela pessoa, e era como se aquela presença a desse segurança, e T, assustado, só fazia sorrir, como quem não acreditava no que estava acontecendo.

- Até que enfim!; Amália deu seu melhor sorriso enquanto seus olhos lacrimejavam e seus braços se abriam numa corrida que terminou com um abraço e um giro.

- Hmm, hmm!; T também abraçou os dois, que pareciam se completar. Arnaldo, do outro lado, começou a apontar e pular euforicamente enquanto gritava repetidamente ''é Joakim, é Joakim! O irmão de Amália!''

Ana, tipicamente, franziu o cenho e perguntou:

- Mas todos os Filhos do Sol não são irmãos? Quer dizer, ele é um Filho do Sol, não?

- É sim, mas a ligação que eles têm é diferente. Contam os mais antigos que eles nasceram da mesma centelha de mágika.Antes da Guerra do Fogo, os dois eram um só. Foi o primeiro Palhaço que Deva fez, a quem chamou de Olivier. Olivier se sacrificou para salvar os outros Filhos do Sol na última grande guerra, confrontando Pied cara a cara. Por esse motivo, por serem metade de um todo, Deva dividiu as fraquezas e habilidades entre eles. Com um, a determinação, percepção e compreensão; com outro, a capacidade de cativar os outros, a presença que dá segurança, e o amor que falta no mundo. Por serem, ainda, metade de um todo, um ficou como homem, em tom de azul, e o outro como mulher, em tom de rosa.

Ana só fazia ouvir, apreensiva, enquanto observava o encontro das duas metades, dos únicos Filhos do Sol que, realmente, eram irmãos de mágika.

- Ah, que saudades!; Joakim abraçou os dois e, ainda no abraço, começou a pular e entoar um 'hei! hei! hei!'.

- Nem me fale; Amália apertou o abraço com um sorriso iluminado.

Do outro lado dos escombros, Ana e Arnaldo vinham correndo, e os três Filhos do Sol olharam quase que igual para eles.

- É ela?; perguntou o recém-chegado.

- É sim, Kim, é ela mesma; Amália respondeu com um ar mais pesado.

- Então, chegue cá, chegue!; e abriu os braços e se abaixu com um sorriso para acolher a menina. Ah, que bom te conhecer!

- É bom conhecer você também, seu Joakim!; Olhou pra cima e sorriu. Joakim bateu o olho em Arnaldo e o pegou nos braços jogando-o para cima e gritando 'Arnaaaaaaldooooo!'

- Me laaaarga, me laaaarga!; gritava o palhaço em miniatura enquanto Ana, T e Amália caíam na gargalhada.

- Bom, vamos comer? Tô morrendo de fome!; e saiu com Arnaldo nos braços, ainda pedindo para descer. Com a luz que emanava dos três juntos, as casas se reconstruíram e as vidas perdidas retornaram.

*

Era noite quando os três ainda conversavam, relembrando os velhos tempos. Foi quando Ana e Arnaldo estavam dormindo.

- Então, como está tudo até agora, Amália?; Joakim juntou as mãos e fitou o olho de Amália. Aquele verde se completa.

- A situação está difícil, Kim. A cada dia que passa sinto que a menina continua crescendo, bem como a vontade de Pied. Ele se torna mais forte com o tempo, e como isso acontece eu não sei. Tentei fazer uma varredura telepática na área de Alexandria, mas não encontrei nada. T também tentou sentir alguma energia negativa, mas a única coisa que conseguiu foi o pó do dragão negro que a Terra das Sombras havia mandado. Não foi, T?

- Uhum; até o palhaço que não falava estava querendo gritar, sabia que alguma coisa estava errada. Ele remeteu então a exatos mil anos atrás, quando Sadhi finalmente tinha chegado em Alexandria, e os Sete estavam à espera dele. Alexandria teve de ser reconstruída depois dessa guerra.

- Então, eu sugiro que temos de ir à Brobdingnag*; Joakim se levantou e foi à janela, observar as estrelas.

- Mas o que vamos fazer no país dos gigantes?; Amália arregalou os olhos e se levantou com uma cara de interrogação e susto. T ficou sentado mas olhou pra Joakim como quem vê algo desconhecido, surpreso.

- Dizem que Deva enterrou Sadhi lá.

- Sim, isso eu sei, Joakim, mas o que, pelo amor dos anjos, você quer ir fazer lá?; Amália agora estava irritada.

- Vamos ressucitar Sadhi.

-

Nota: Brobdingnag é o nome do País dos Gigantes do livro 'Os Bruzundangas', de Lima Barreto. No Mundo, fica perto do pólo ártico, sendo, portanto, extremamente frio. Deva enterrou Sadhi lá porque o frio dos ventos que lá sopram é o mesmo desde a criação, sendo, portanto, mágiko. O país é rústico e antigo em todos os termos, pois não há comércio e os gigantes [que têm entre 8 e 12 metros de altura] vivem da caça e habitam as cavernas.
Foi o último continente a ser estudado pelos estudiosos da Geografia sendo, portanto, menos o conhecido.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Dentro do Interior

Ela acha que eu não a acompanho. Pego o suco, fecho a geladeira e volto pro meu quarto, silencioso em sua pequena imensidão. Meu violão olha pra mim enquanto como algum pedaço de coisa de mais cedo, o pego e, dele, saem alguns acordes de notas de músicas de bandas que choraram que gemeram que perderam o freio. Ponto! Bah, que ponto que nada! A vida é uma trepada, a vida é uma furada! A vida é azul e o momento é cor-de-laranja. Amor, sorte, rancor, morte, vida, vestir uma bula, que porcaria toda é essa? Meu violão, agora ao fundo, me olhava torto. Em que você pensa? Em que você pensa?

Pensei em me jogar,
pensei em te trazer,
em te falar sem te dizer.

Pensei numa árvore,
num encarte,
numa carta e num desastre.

Eu penso que mundo precisa de revelaçããããão!
Que toda essa porcaria que persegue a gente é estranha, que se apaixonar demais é coisa ruim, que amar demais é coisa ruim.
E mesmo assim, ela acha que eu não a acompanho.
Se um olhar me denuncia e se um frio me bate a espinha, se até aquela química que acontece fosse imaginária. E mesmo assim ela acha que eu não a acompanho.
Bah, é só um anjo com asas e pés de chumbo! Que ligação eu tenho com ela agora?

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Ana e o Mar - Terceira Parte do Segundo Ato

'A vida ocupou todo o espaço e se fez paz.'

-

Quando Ana acordou, já estava em sua cama. Apenas Arnaldo do seu lado.

- Arnaldo, cadê Amália?; ela perguntou assustada. Era como se a distância daquele sorriso a sufocasse.
- Não sei, Donana, saiu com o Filho do Sol!

Ana olhou com a maior cara de assustada que poderia fazer naquele momento:

- Filho do Sol?! Como assim? Cadê eles? Você os viu saindo? Pra onde eles foram? Como eles foram? Quando eles...

- Calma, calma, calma, Donaninha! Ela disse que eu não me preocupasse que ela logo, logo voltaria.

- Mas ela encontrou outro Filho do Sol! E eu não lembro de ter adormecido! Como viemos parar aqui?

- Eu acho que foi porque eles dois se encontraram. A mágika liberada num local só deve ter sido muito forte e quem não tem uma boa resistência a isso desmaiou. Acho que foi isso; e ficou pensativo.

- Bah, vamos esperar eles e comer, então!

Passaram cerca de duas horas esperando e nada, até que, sem querer, o clima para o frágil corpo de Ana ficou mais quente. Eles entraram sorrindo pela porta.

- Bah, mas tudo vai ficar bem, sim! É só ter fé!; Ana ouviu Amália dizer enquanto entrava.
Meu amor, desculpa ter te deixado aqui, mas achei melhor você descansar e deixei Arnaldo cuidando de ti!

- Nada, nada! Como é o nome dele? Ele veio da onde? Ele é teu irmão? Sim, ele é teu irmão!; Ana tagarelava mais que pinto quando nasce, e a euforia dela era de dar gargalhadas em qualquer um. Até Arnaldo começou a rir.

- É meu irmão sim, Ana! O nome dele mesmo é 'êÊÊÊêê', mas pode chamar de 'T'.

- Porque 'T'?

- Nem eu sei; e deu um sorriso bem costumeiro.

- Enfim, ele veio pra ajudar a gente. Queria que vocês se sentassem, precisamos conversar.

Ana olhou para Arnaldo meio apreensiva, mas obedeceu.

- Ele não fala, então, vocês vão ter de exercitar um pouco a paciência, certo? Outra coisa, a partir de agora, possa ser que a nossa jornada se torne mais difícil. As Terras das Sombras já sabem que estamos pretendendo reunir novamente os Filhos do Sol, e não estão nada satisfeitas com isso. Pied*, o Palhaço Escuro, estava na batalha do Fogo. Ele era um dos braços direitos de Sadhi. Quando este foi derrotado, Pied rumou para a Terra das Sombras e conquistou-a para si. Desde então, ele tem sido nosso maior inimigo até agora. Ele que mandou aqueles Pesadelos para a Floresta da Lembrança para atacar vocês, e ele que tá fazendo com que a Floresta morra. E é isso que eu quero descobrir.

Ana e Arnaldo ouviam abismados, enquanto T observava os dois, meio que os analisando.

- Mas o que ele ganha com tudo isso, Amália?; perguntou Arnaldo, meio confuso.

- Também não sei, Arnaldo. Eu acho que ele quer fazer tudo isso pra tomar o Mundo pra si que nem Sadhi estava disposto a fazer. A única diferença é que Sadhi estava à beira da loucura, Pied sabe muito bem o que está tentando fazer. E é muito incrível como um dia é diferente do outro. Só que é preciso ter visão pra perceber isso tudo . E a visão que eu falo não é aquela proveniente dos olhos, mas a que vem de dentro, a que é sentida. Só espero que essas mudanças não sejam percebidas por muitas pessoas logo, porque o que Pied tá tentando fazer é muito drástico.

- Então o que a gente tá esperando? Vamos embora caçar esse cara!; Arnaldo deu um pulo como quem quer ser um super-herói.

- Ah, se fosse assim! Ele é perigoso, e na arena dele a gente sai perdendo. Pelo menos por enquanto.

De repente, a luz que vinha da janela sumiu. Ouviram-se gritos das pessoas que estavam lá fora, e um rugido de uma besta foi sentido pelas paredes. Amália e T foram ver o que estava acontecendo daquele vidro empoeirado. Então, aquele dragão vermelho soltando fogo negro foi visto. Suas asas eram tão grandes que cobriam grande parte do céu da cidade. Seu rugido, o mais estremecedor.

- T, eles precisam da gente!; Amália colocou sua capa e saiu correndo pela porta. Vocês dois ficam aqui!

Saíram correndo para fora.

- Que os Filhos do Sol Apareçam!; a criatura exalava enxofre pelas narinas.

Dois sóis apareceram no céu imediatamente. A besta ficou abalada, mas logo rogou seu sopro de fogo sobre os dois. Um escudo de flores os protegeu enquanto eles tentavam avançar.
Amália tentava proteger não só ela, mas as outras pessoas também. Foi quando o dragão levantou sua pata mais alto que a estátua do Sol, e desferiu um golpe sobre a terra que fez o chão tremer. Prédios foram caindo, e pessoas perecendo. Ouviam-se mais gritos e sentia-se mais terror. Os dois não seriam páreos pro monstro?

- Droga, precisamos de ajuda!; Amália agora cobria sua cabeça com os braços tentando se proteger dos escombros enquanto a besta agora aterrisava na terra.

- Hmm; murmurou T.

Uma aura negra começou a sair da criatura, e plantas e árvores começaram a morrer. Tudo parecia estar perdido quando, no alto do céu, pôde-se ver mais um Sol nascendo, e ouviram-se o barulho de algo como guizos vindo de toda a parte. Amália parou, estática, quando ouviu aquilo. Era como se, de alguma forma, fosse ficando mais e mais forte. Foi então que todos puderam vê-lo. Usava um chapéu rosa com uma fita vermelha. Uma calça azul-escura folgada fazia contraste com suas luvas pretas semi-cortadas e, delas, saiam guizos. Seu colete por cima de sua camiseta azul-céu tinha um coração do lado esquerdo do peito, e algo tipo um jogo da velha do lado direito. Dele também saíam guizos. Um grande sol amarelo enfeitava suas costas e seus olhos eram verdes, verde-esperança.

-

Nota:

*Pied [leia 'Pié'] foi, como Amália disse, o braço direito de Sadhi durante a Guerra do Fogo. Ele se revoltou contra o Mundo porque viu seu mestre sendo morto 'injustamente'.
Em breve, mais informações.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Ana e o Mar - Segunda Parte do Segundo Ato

'Nessa rua, nessa rua tem um bosque que se chama, que se chama solidão.
Dentro dele, dentro dele mora um anjo que roubou, que roubou meu coração.'

-

- O que será que tem nesse Teatro Mágico?; perguntou Amália, levantando a sobrancelha.
- Bah, só vamos saber vendo, não é mesmo?; respondeu Ana, com uma curiosidade nos olhos.
- É verdade, mas, antes disso, precisamos conseguir uma estalagem para ficarmos durante o tempo que formos passar por aqui, precisamos comprar roupas novas porque essas estão um desastre e, além de tudo, precisamos começar a procurar por seu pai.
- É mesmo, Donana! A gente num pode perder tempo não!; falou Arnaldo enquanto a olhava de baixo para cima.
- Tá bom, tá bom, já calei.

Foram, então, adentrando mais a cidade.

-
Sobre o Mundo [3]

Alexandria, pelo que eles viam, era uma cidade realmente grande. Com cerca de dois milhões de habitantes, merece o nome de 'capital do Mundo'. O comércio é baseado numa forma mais capitalista de ser, onde a moeda local, o Dracma, compra quase tudo o que se pode vender.
As ruas são algumas estreitas, outras mais largas, basicamente como a Paris do Imperador Napoleão III, que transformou a capital francesa numa obra de arte arquitetônica. Com prefeitura fixa, porém sem um governante, de fato, a cidade sobrevive da exportação de madeira e de escolas de mágika. Algumas lojas mais famosas, que vendem aparatos mágicos, movimentam, também, uma enorme quantia de dinheiro. Os bares e tavernas só abrem à noite, e são o ponto de encontro de aventureiros, guerreiros, viajantes e bardos, que passam a noite cantando ou contando estórias para ganhar algum trocado. A cidade é cercada por uma pequena floresta que, por não ter uma importância muito grande para as pessoas da região, recebeu o nome de Floresta Sem-Importância. A oeste, temos o Mar.
Contam os bardos e trovadores que, em algum momento do início da criação, um grande mago soergueu grande parte de Alexandria e a enfeitiçou de forma a ficar flutuando pelo Mundo. Essa cratera de aproximadamente 90 quilômetros de diâmetro é onde hoje funcionam as minas de uma raça conhecida como Anões.

-

- Olha gente, olha!; ressaltou Ana, apontando para alguns balões que um humando vestido de palhaço estava desfilando na rua. Amália só deu um costumeiro sorriso, enquanto Arnaldo olhava admirado, como uma criança que acaba de ganhar um pacote de algodão doce.
- Liiindo! Eu quero um desses pra mim!; Arnaldo apontou pra um balão vermelho, que parecia seu nariz.

Ana remontou ao passado.

'- Papai, papai! Eu quero um daqueles!

O pai dela olhou para aquele Palhaço mágico vendedor de balões. Era costumeira sua presença ali, e ele era um dos poucos Palhaços que se relacionavam com os humanos sem ter medo ou receio pois, naquela época, Palhaços e humanos viviam em guerra para ver quem governaria Alexandria.

- Ah, minha filha, agora não tenho dinheiro, mas assim que o tiver eu compro um pra você, tá certo?

Ana ficou cabisbaixa e murmurou um 'Tá certo, papai'. Ela devia ter uns 6 anos na época.
As coisas estavam difíceis. Tentar conseguir emprego era cada vez mais constrangedor, pois a escassez do dinheiro estava enorme. As pessoas estavam, literalmente, matando pra conseguir um pouco de comida ou alimento, porque as florestas estavam todas contaminadas com uma praga que até hoje não se sabe o que foi. Alguns dizem que foi castigo de Deva pela ambição dos Palhaços e dos humanos pela cidade, outros dizem que foi simplesmente um 'mal entendido' com a Natureza.
Continuaram andando, era dia de receber o dinheiro ofertado pelo governo. Ana odiava a idéia de receber algo como uma esmola, mas era o jeito.
A fila daquele dia estava enorme, cada um com seu papel-recibo para comprovar o recebimento da oferta. Ela lembra, pelo seu marca-tempo, que passaram mais de duas voltas no aparato [o equivalente a duas horas no mundo real], e eles ainda estavam lá.
Foi então que começou uma confusão na fila mais da frente porque uma das pessoas queria furar a fila. Pelo menos foi isso que ela pôde entender do que aconteceu. Ouviu um deles gritar 'você pensa que só porque tá com essa putinha do seu lado você tem o direito de furar a fila?'. A 'putinha' era provavelmente a filha adotiva daquele senhor de aproximadamente 70 anos de idade, todo mal lavado, sujo e aparentemente faminto. Os olhos de Ana ficaram lacrimejados com aquilo. Foi então que, num piscar de olhos, lá ia seu pai tomar satisfação com aquele monstro gordo que havia ofendido o velho. Ele ficou imaginando se fosse com a filha dele aquele insulto.

- Quem você pensa que é, rapaz, pra tratar esse senhor assim?
- Sou dois de você, seu sarnento! - e desferiu um soco na boca do pai de Ana. Ela correu chorando para ajudá-lo mas ele, com um grito e um gesto, disse que ela se afastasse.
Nesse dia, ela lembra que foi com o pai para o hospital porque a guarda demorou a chegar.
Seu pai passou cerca de dois dias de cama. Não recebeu dinheiro nessa temporada, e eles, mais uma vez, passaram o mês se alimentando com pétalas e néctar. Mas, com o único trocado que ele tinha quando saiu do hospital, ele comprou um balão vermelho para a filha.'

- Algum problema, Donana?
- Não, Arnaldo, nenhum - replicou a menina balançando a cabeça como quem sai de um transe.
- Então, podemos ir, não? - quando Ana viu, Arnaldo já estava com o balão vermelho em mãos, e ele e Amália estavam um pouco mais à frente meio que esperando-a para continuar a caminhar.

Caminharam um certo tempo, compraram suas roupas e comeram.Acharam uma estalagem barata e confortável, tudo pago por Amália. Era cerca de meio dia quando tomaram um banho de verdade e vestiram suas roupas novas.

- A comida está tão boa! - disse Arnaldo em meio ao almoço, colocando uma colher atrás da outra sem mastigar direito.
- Está, sim, Arnaldo, mas vá com calma se não você vai terminar por colocar tudo isso pra fora!

O carinho que Amália tinha por aqueles dois era carinho de mãe mesmo. Sempre se preocupando.

- E Donana, vai comer não?
- Ah, agora não, não estou com tanta fome assim - disse Ana, remexendo os legumes no prato. Posso me retirar agora?
- Claro, à vontade; Amália respondeu ainda com um sorriso no rosto.

*

Passaram a tarde tirando uma cesta. Há três dias não dormiam direito. Quando se levantaram, já era tardezinha, quase noite. Ana foi a primeira a se preparar para ver o Teatro Mágico no bar mais comentado da cidade, A Taverna.
Andaram pela cidade, que ganhava outra cara à noite. Parecia que a tampa de todos os boeiros eram abertas e que todos os bebuns existentes no mundo tomavam conta do espaço urbano.
De longe, já se via a fila pra entrar naquele cubículo, que tinha mesas de madeira mal talhada e um chão sujo, uma garçoente gorda e mal cheirosa e um minipalco para apresentações. O ambiente era, de fato, bem rústico, com não mais de 80 metros quadrados. No balcão, vinhos, cervejas e hidromel faziam parte do cardápio de bebidas, enquanto de comida, havia apenas algumas flores selvagens guizadas. Enfim, conseguiram um local pra sentar-se.

- O que vão querer? - perguntou a garçonete.
- Água e só, por favor - disse Amália.

Estava uma enorme gritaria, como se o mundo estivesse perto de acabar. Foi quando subiu no palco uma espécie de Palhaço-Bardo com um violão preto e anunciou:

- Senhooooras e senhoooores! Hoje, e somente hoje, a poesia prevalece!

Ana olhou com os olhos brilhando toda aquela mágica envolvendo o ar, enquanto um pinguim entrava no palco com uma sanfona e, do nada, saem uma boneca de pano e um Palhaço descendo de um trapézio que nem Amália viu de onde saiu.

Então, aquela trupe começou a realmente fazer um show, enquanto conseguia acalmar, de alguma forma, toda aquela angústia que repreendia Ana. Arnaldo olhava encantado, sem saber se aplaudia de pé ou se mantia o máximo de sua concentração naquela apresentação. Foi como se eles tivessem sido transportados pra outro mundo, onde só se viam flores e criaturas mágicas.
Então, Ana viu que Amália estava apreensiva. Olhando fixamente para um Palhaço.
Ele usava um chapéu jeans e uma camisa azul-branco listrada por cima de uma camiseta azul clara e uma calça vermelha bem coronha. Parecia um boneco com seus traços de maquiagem, e quando ele colocou os olhos sobre Amália, foi como se o tempo, naquele momento, parasse, e um calor enorme tomou conta de toda a sala.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Ana e o Mar - Primeira Parte do Segundo Ato

'Entrada Para Raros.'

-

- Sou eu, sou eu sim!; ela tentou levantar-se com algum esforço. Seu braço ainda estava meio dolorido, apesar da ferida ter se fechado.
- Pode ficar aí deitadinha, você acabou de passar por um momento um tanto adrenalínico!; disse Amália, esboçando um sorriso cor de aurora.
- Sim, mas o que vamos fazer agora? - perguntou Arnaldo, um tanto preocupado.
- Vamos para Alexandria, Arnaldo! Vamos pra melhor cidade do mundo!; Amália abriu ainda mais o sorriso enquanto Arnaldo demonstrava receio e alegria ao mesmo tempo.
- Algum problema, Arnaldo?
- Não, Amália, nenhum!

Ana ficou só ouvindo a conversa, de loooonge.
Se levantaram, e começaram a caminhar sendo guiados pela Montanha Gelada: Alexandria ficava cerca de dois dias de viagem a oeste delas.

E assim foi, dois dias de viagem. Às vezes eles paravam em alguma fonte ou rio, às vezes dormiam em algum bosque que encontravam pelo caminho. Amália contou a estória dos Filhos do Sol de como ela conhecia, de forma mais completa e coerente. Ana e Arnaldo só ouviam, em pleno silêncio. Contou também como surgiu o Mundo.

'No começo, havia apenas o Nada e o Limbo. Estes deram origem a um ser chamado Deva, que, por sua vez, em sua solidão eterna criou uma esfera de vida gigantesca, de forma a fazer companhia a ele mesmo. Porém, Deva se viu tão só, que das lágrimas que de seu rosto escorriam nasceram os rios e oceanos, e essas mesmas águas regaram a terra infértil do Vale Desconhecido, dando origem à todas as formas de vida e, consequentemente, à Floresta da Lembrança.
Para habitar essas formas de vida, Deva construiu com sua magia a cidade de Alexandria.
Alexandria foi considerada sua obra prima. Esculturas colossais e verdadeiras obras arquitetônicas encorporam todo o ar mágico da cidade.'

E o resto vocês já sabem!

Arnaldo parou e disse:

- Mais, mais, conta mais!
- Ah, amanhã eu conto, já tá na hora de dormir!; deu um sorriso e o cobriu com um cobertor improvisado de folha de cerejeira; Amanhã será um longo dia! - disse ela beijando-lhe a testa.
- Porque, Amália?; indagou Ana, que já estava tonta de sono.
- Chegaremos em Alexandria amanhã, esqueceu? Nada de comermos qualquer coisa que encontrarmos pela frente ou tomarmos banho nos escondendo de Arnaldo!; e deu início a uma gargalhada que logo foi contida.
- Ah, é verdade. Mas o que vamos fazer lá, exatamente?
- Vamos buscar ajuda; e continuou com aquele sorriso costumeiro em seu rosto.
- Podemos procurar meu pai? - um brilho diferente nasceu nos olhos dela, era o início de lágrimas. - Soube que ele foi levado pra lá mas não me deram mais nenhuma informação!
- Claro que podemos! Vamos achá-lo nem que tenhamos de rodar toda a cidade! Mas, para isso, a mocinha tem que dormir. Boa noite, meu anjo, até amanhã!; e beijou sua testa, também.

Pela primeira vez em muito tempo ela recostou sua cabeça estando com o pensamento leve. Não queria saber se o solo era de massapê ou se era um travesseiro de plumas: ela estava bem consigo mesma, apesar de tudo.

*

- Ana?; ela ouviu a voz lhe chamando ao longe; Ana, acorda, já amanheceu - tinha dormido tão bem que havia perdido a hora. Acha que sonhou com sua mãe. Acha.
- Vamos sim, Amália. Cadê Arnaldo?; olhou em volta e não viu o palhacinho.
- Pedi pra ele ir se lavar longe da gente.

Ana deu uma gargalhada que não dava há muito tempo. Realmente, essas pessoas lhe fazem um bem tão grande...

Assim que Arnaldo voltou do riacho eles seguiram caminho.
Não demorou muito até que se visse, de longe, a gigantesca estátua erguida em homenagem ao sol. Tinha um contorno de cobre com o interior dourado, enquanto os raios reais eram refletidos pela sua grandeza.

- Até que enfim, chegamos!; Amália abriu um sorriso gigantesco quando proferiu essas palavras.

A primeira coisa que Ana viu foi a estátua, é claro. Depois, viu aquela multidão passeando e fazendo compras, enquanto ouvia um bardo anunciar, em cima de um banco, aos berros:

- Só hoje, n'A Taverna, o maios espetáculo de todos os tempos!; e entregou, enquanto ela passava, um panfleto que Arnaldo e Amália se esticaram para ler. Nele, estava escrito as seguintes palavras:

'O Teatro Mágico: Entrada Para Raros'

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Ana e o Mar - A Guerra do Fogo

Sobre o Mundo [2]

Sadhi foi um exímio guerreiro.
Cavalgou pelas Planícies Douradas de Godan por muito tempo, fazendo a guarda do Império da Areia. O comércio começou, então, a surgir no Mundo. Primeiro começaram a trocar conhecimento. Você ensinava alguma coisa considerada importante a alguém que quisesse aprender e, em troca, recebia ou algum tipo de mercadoria ou até mesmo outro tipo de conhecimento.
Havia um sábio que tinha compartilhado vários conhecimentos com os Dragões das Montanhas, seu nome era Ramuh.
Ramuh foi um dos primeiros seres pensantes a pisar no planeta e, graças aos seus conhecimentos e experiência, os humanos conseguiram desatar os nós que formam a realidade. Isso mesmo, toda a realidade é constituída por 'nós'. Palhaços e Dragões são duas das únicas raças que conseguem desatar e moldar esses nós a seu bel prazer, de forma que os leigos chamem essa habilidade de 'mágika'. A mágika é justamente essa capacidade; a capacidade de transmutar a realidade.
Sadhi foi o melhor discípulo que Ramuh pôde ter. Dedicado, inteligente e, acima de tudo, descendente direto da linhagem que Deva deixou; ou seja, tinha uma exímia aptidão para a mágika.
O tempo foi passando, até que Ramuh percebeu que o que poderia passar para Sadhi ele já havia passado. Sadhi, então, utilizou o que sabia para conquistar, de forma justa e sincera, o trono de imperador. Adotou Ramuh como seu conselheiro, uma vez que tudo que sabia devia, de certa forma, a ele.
Era incrível o status que ele havia conseguido!
Ah, todas aquelas mulheres, todos aqueles servos, todo aquele poder!
E, ainda por cima, todo aquele respeito!
Respeitado até pelos Magos Brancos do Gelo, e até mesmo pelos tão temidos Dragões das Montanhas!
Porém, Sadhi não estava satisfeito.
Não queria apenas ser respeitado, ou ter mil servos, ou deitar-se com a mulher que quisesse.
Ele queria mais, bem mais.
Queria o status de divindade, queria ser conhecido não como imperador, mas como um deus.
Achando injusto e desnecessário, Ramuh tentou intervir e Sadhi o assassinou cruelmente na frente de toda a corte.
Começava então uma era de treva e escuridão para o Continente do Fogo e, consequentemente, para o resto do mundo.
Sadhi enlouqueceu com uma morte.
Até então, as pessoas tinham morrido apenas de morte natural, tal pecado não havia sido cometido entre humanos.
A realidade ficou, então, abalada.
Sadhi agora estava amaldiçoado.
Nem um filho, nem um herdeiro, nem um descendente jamais teria paz em vida enquanto Sadhi vivesse!
Então ele procurou ajuda nas Terras das Sombras.
O terrível continente onde nenhum ser visitou e voltou inteiro.
As feiticeiras exigiram muito em troca.
'O peso de uma morte é grande, mas não irremovível' diziam elas.
Para isso, ele teria de oferecer metade de suas terras e a pessoa que mais amava na vida.
Matou também sua mãe, e começou a dizimar todo o continente em busca de mais terras para doar às Terras das Sombras.
Foi então que eles apareceram.
De repente, sete sóis surgiram nos céus, e uma luz diferente tomou conta de todo o mundo.
Sadhi viu sete seres descendo em cada ponto da terra, cada um carregando um Sol em suas mãos.
Viu, também, uma estrela lilás que brilhava ainda mais forte que os sete sóis juntos.
Deva estava pisando na terra de novo.
Batalharam Sadhi, os Filhos do Sol e Deva.
As Terras das Sombras enviaram esforços e reforços, e o estrago por isso foi imenso.
Civilizações destruídas, florestas dizimadas, e até mesmo Alexandria, fruto da mágika do próprio Deva teve de ser reconstruída.
Dessa batalha, conhecida como a Guerra do Fogo, restaram apenas lembranças e um único guerreiro, instruído por Deva a permanecer na terra por carregar consigo a esperança nos olhos. Esse guerreiro foi divido pela Natureza em duas partes. Uma, colocada no desconhecido, nascido da vontade de Deva. A outra, colocada nas Florestas, filhas do Tempo e da Natureza. Um dia, o mundo precisará deles de novo.
Essa é a estória da Guerra do Fogo.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Ana e o Mar - Última Parte do Primeiro Ato

'Então, ela viu que o céu era sem fim.'

-

A Floresta estava úmida e densa. Podia-se ouvir ruídos de galhos sendo quebrados pela própria poeira, e era perceptível só com o coração, tão apertado, de que as árvores estavam pedindo socorro. Sussurros de vozes trazidas pelo vento, cheiros queimados pelo fogo, aquele fogo que incendeia mas não queima, aquele fogo que corrói mas não destrói.
Ana fechou a porta atrás de si, e era como, de novo, se a Floresta estivesse simplesmente morta, sem vida. Havia uma trilha que ela sempre seguia, mas agora está destruída.

- Arnaldo, qual o caminho mais seguro?; ele pára, olha pra ela e responde.
- Nas atuais circunstâncias, nem um caminho é seguro, Donana!; ela ficou meio apreensiva, olhou ao redor, e percebeu uma fresta de sol que descia pela copa das folhas dos gigantescos pinheiros e sequóias.
- É por ali!; e saiu com Arnaldo - agora no chão por conta do peso - em seu encalço.

-

Do outro lado da Floresta, ela se preparava.
Pôs seu chapéu cor-de-rosa, sua camisa florida e aquela saia vermelho-marrom, de que tanto gostava. 'É daqui a pouco', pensou.
Passou seu batom, também vermelho, e olhou pra fora daquela janela de madeira bem polida, que tinha antes sido colocada na sala de visitas daquela sequóia-rúbea.
Fazia tempo que não era chamada. A última vez foi há mais de mil anos, quando aquele rei louco da areia decidiu querer dominar o mundo. Mas está feliz, acima de tudo. Vai rever seus irmãos em breve, tem certeza. A única que sabe, de fato, quem é e porque está ali é ela. Colocada pelo próprio Deva pra acordar os 'outros'. Ela coloca sua bolsa de flores, olha uma última vez pelo espelho, e sai. Alguém a espera.

-

Andaram cerca de uma hora, e ela percebia que ainda faltava muito pra chegar ao fim do caminho. Parou, então, para descansar.

- Arnaldo?; olhou para ele, encostado numa árvore.
- Oi, Donana!
- De onde você veio mesmo?
- Alexandria, a cidade dos Palhaços!; os olhos dele brilharam com aquela resposta.
- E lá é bom pra se viver?
- Ah, Donana, é bom sim! Só que o povo é muito materialista, sabe? - ficou meio pensativo com essa resposta - Assim, se importam muito com as aparências, com a beleza física das coisas, e se esquecem que, às vezes, a beleza real de uma pessoa está num gesto, num olhar, numa atitude. E isso me preocupa, porque eu já vi muitas pessoas perdendo outras por brincadeira, por terem falado algo ou cobiçado uma simples roupa numa daquelas lojas. A real essência das coisas é a alma, e é isso que eu acho.

Ana pára e o observa.

- Você tem irmãos, Arnaldo?
- Tenho sim, Donana, tenho sim!; se levantou de um pulo só e começou a gesticular no ar - Sou irmão dos 7 Palhaços que Deva fez! Ele me deixou aqui pra cuidar pra que o mundo não ficasse na mesmisse e pra que, quando fosse necessário, eu fosse atrás deles pra o mundo voltar a ser melhor! - ah, e abriu um sorriso gigantesco quando disse isso.

A menina duvidou que alguém pudesse ser tão sincero consigo mesmo, porque aquele brilho nos olhos era, sim, totalmente sincero.

- E a senhora, Donana, tem irmãos?
- Senhora não que eu não sou velha!
- Ah, tá, desculpa. - e se recolheu na árvore em que havia se sentado novamente e começou a comer.

- As pessoas se esquecem de que as outras também têm sentimentos.

Ana franziu o cenho e olhou para ele com uma cara interrogativa.

- É, é isso mesmo. Em Alexandria, o egoísmo das pessoas já superou tanto o amor que uma sente pela outra que agora é cada um por si, cada um falando mais alto que o outro, cada um que não respeite a opinião do outro. Os comerciantes aumentam os preços dia após dia, as famílias vão se desestruturando, os governantes são corruptos e roubam...

Suspira.

- Desculpa, não foi minha intenção te machucar; o abraçou forte, um abraço daqueles, que valem um 'eu gosto muito de você, seu cabra!'.

Então, ouviram um estalo de galhos.
Ana se levantou e tirou logo sua capa invisível enquanto Arnaldo apontava sua mão pra todos os lados, como se estivesse preparando a ação pra alguma coisa.
Olhos vermelhos de monte começaram a aparecer na penumbra por detrás das árvores. Um odor de enxofre novamente foi sentido. Não esperou mais nada, colocou Arnaldo nos braços e correu sem rumo.

- Me solta, me solta, me solta que eu acabo com eles!
- Deeeeixa de falar besteira, são muitos!; adrenalina à mil, Ana começou a entrar em cada buraco que nunca havia entrado, enquanto sua respiração começava a ofegar. Até que uma das criaturas pulou em cima dela!
Aqueles olhos entravam na alma de quem os olhasse. Eram vermelhos como o fogo, e aquela mandíbula tentando arrancar algum pedaço de carne agora doía entre seus braços.
Foi aí que uma luz forte foi vista e ela sentiu não só a criatura que a encurralva, mas todas as outras sumindo frente à luminosidade. Desmaiou.

*

O cheiro de rosas era perceptível, estava meio cansada, e sentia alguém segurando seu braço. Ouviu a voz de Arnaldo:

- Ela está acordando!

Quando abriu os olhos, viu aquela Palhaça com o chapéu rosa segurando seu braço que, agora, estava se regenerando. Estava num vasto campo, e a copa das árvores da Floresta da Lembrança podiam ser vistas a longe. Ouviu a Palhaça dizer:

- Sou Amália, moça bonita, e você deve ser Ana!

Percebeu, antes de mais nada, um Sol dourado pintado em seu rosto, e um cordão com o mesmo sinal em seu pescoço. Então, ela olhou nos olhos de quem a ajudava, e eles tinham a cor da esperança.

Fim do Primeiro Ato

domingo, 19 de outubro de 2008

Preocupação

Ah, e ela esquece do mundo!
Entra em transe, mas tão, tão profundo,
que só pensa na mesma coisa, todo o tempo,
em todos os segundos.

Alguns acham ridículo,
outros acrilírico,
eu acho, eu acho que
é muito por tão pouco!

É uma alegria sem fim
quando com ele ela está,
mas esquece de tudo, do mundo,
de mim.
De todos os 'mim'.

Esquece de olhar o espelho,
esquece de tocar o som,
aquele som.

Mas, quando chega ao fim,
corre e se escorre.
Fica sem chão, rumo
ou direção.

E, agora, não sei.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Ana e o Mar - Terceira Parte do Primeiro Ato

"Virá um tempo em que as vozes do solo e das plantas cantarão apenas lamentos."

-

Seu pai estava imóvel na cama quando ela entrou.
Sentiu um arrepio, uma tontura, e desmaiou.
Quando acordou, viu um Palhaço ao seu lado.
Tinha o cabelo azul, era pequeno e branco como uma nuvem.
Sua voz soou meio tímida e compacta devido, provavelmente, ao tamanho do seu corpo.

- Arnaldo, prazer.

Ana se levantou em um pulo rápido e girou a cabeça tentando encontrar alguma coisa, mas a cama ao seu lado estava vazia e as pessoas estranhas tinham ido embora. Só restou aquela criaturinha em miniatura, olhando fixamente nos seus olhos, com um sorriso inabalável.

- Quer café?
- Não obrigada. Onde está meu pai?
- Foi levado pra Alexandria.
- Como assim 'levado pra Alexandria'? - e levantou-se da cama soerguendo o corpo num único baque;
- Foi o que me disseram. Ele que me deixou aqui pra cuidar de você. - Arnaldo a encarava de baixo pra cima, numa posição pateticamente inferior, mas seu olhar era fixo e determinado;
- E de onde você é, Arnaldo? - um tom de deboche foi percebido;
- Sou um Filho do Sol!

Ana caiu na risada.
Não pôde deixar de caçoar daquela piada.

- E eu sou Deva, o pai de todos os palhaços! - disse ela o encarando com aqueles olhos azul-madre-pérola; vou procurar meu pai, é o melhor que eu faço.

Saiu então em direção à porta.
Baque.
Quando abriu a porta, sentiu como se todas as bestas do mundo inferior estivessem rondando a Floresta da Lembrança. Um odor de enxofre percorreu suas narinas, enquanto um calor imenso tomou conta da sua casa que, com certeza, estava protegida de tudo aquilo por magia.
As árvores estavam morrendo.
O solo estava morrendo.
Os animais estavam morrendo.
O mundo estava morrendo.
Parecia que, em apenas 12 horas, o mundo tinha virado de cabeça pra baixo: seu pai doente, a Floresta perecendo, um palhaço que mais parecia um gnomo lhe fazendo companhia, e só ela pra cuidar de tudo isso.
Fechou a porta.

- Arnaldo, Arnaldo! - se abraçou com ele o mais rápido que pôde: apesar de desconhecido, era sua única companhia; quero sair daqui, quero meu pai! quero minha Floresta de volta!

- Calma, moça, calma! Calma que tudo se resolve!

Começou a chorar num pranto sem fim.
Mas estava decidida.
Iria atrás dos Filhos do Sol!
Lenda ou não, seria sua última chance.
Uma Floresta dizimada, seu pai doente, o mundo se acabando.
'O que está acontecendo?', pensou.
Seu pai lhe disse, uma vez, que os Filhos do Sol já tinham sido reunidos há muito tempo, quando o grande imperador do deserto, Sadhi*, ficou louco pelo poder e começou a destruir todas as vilas do Continente do Fogo para ter mais terras e escravos.
Da sua batalha com os Filhos do Sol, só restou seu túmulo, bem no meio do deserto que recebeu seu nome, o Deserto de Sadhi.

Colocou sua capa invisível, um pouco de pó-de-grifo, algumas maçãs e rosas comestíveis, colocou Arnaldo no braço, e se foi.
Sem rumo, ou direção.
Ou melhor, ela seguia o Sol.

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Nota:

* Sadhi foi o maior imperador que o mundo já viu. Governou as areias do deserto por quase um século, mas ficou louco pelo poder. Os Filhos do Sol tiveram de intervir em seus planos, pois o mundo estava se acabando. Foi a primeira e única vez que foram vistos sete sóis brilhando no céu.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Sorriso

Te ver de repente é bom demais,
é mais inocente que ser bom rapaz,
eu me sinto em Pasárgada,
me sinto em casa.

Abraçar você é melhor
do que tudo que eu possa dizer,
é um não querer mais que bem querer,
é ficar contente sem saber da dor que a gente sente.

É me pintar de palhaço
pra sentir o calor do teu abraço.
É te esperar toda noite
com os olhos fechados.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Ana e o Mar - Segunda Parte do Primeiro Ato

Estando no lago, era como se o som do vento batendo nas águas fosse igual ao cheiro da brisa que entrava pelo seu nariz, e o céu azul parecia mais azul que o normal, com os golfinhos voadores acima de sua cabeça, ela começou a compor.

"Queria eu ver as laranjeiras sorrirem,
queria eu não ter mais de sofrer por elas,
queria eu ver A Floresta Da Lembrança nova,
queria ver o mundo como ele já foi um dia."

A Floresta em que Ana morava estava se perdendo, com a lembrança e o sentimento de cada ser vivente naquela terra, pois tudo agora era triste e infeliz, porque, de alguma forma, o material estava superando o que havia de mágic naquele mundo, de modo que as pessoas se preocupavam mais em ter uma roupa cara do que ter uma alma rara.
Passou todo o resto da manhã no lago, voltando para casa ao meio dia.
Chegando lá, havia algo de estranho, muitos animais e palhaços* haviam cercado a árvore do seu pai**, enquanto um esquilo veio à ela e disse:

'Caiu'.

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Nota:

* Os Palhaços do mundo de Ana e o Mar devem ser vistos como uma raça diferente da humana, da mesma forma que os elfos de J.R.R. Tolkien, e não como pessoas normais.
São criaturas dotadas de magia e especiais em muitas coisas. Em breve mais informações.

** Na Floresta da Lembrança, cada ser do mundo tem uma árvore que tem as características do interior de seu respectivo 'dono'. Por exemplo: se a pessoa estiver triste, a árvore amanhecerá com as folhas murchas, se ela estiver cansada, a árvore vai aparentar estar balançando pra cair etc.

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Sobre o Mundo [1]:

No início, Deva, O Primeiro Palhaço, havia usado a magia que tinha para criar Alexandria.
A cidade prosperou, mas Deva ainda não estava satisfeito. Não tinha conseguido, de fato, achar o que tanto queria e esperava. Então ele criou outros 7 Palhaços, a quem chamou de Filhos do Sol. Os desproviu de memórias, pois não podiam lembrar quem realmente eram e, com cada um desses Palhaços, ele deixou um pouquinho de sua magia, pra que, quando estivessem por algum motivo juntos, algo pudesse ser criado, pra transformar de novo o mundo no que algum dia ele já foi.


terça-feira, 7 de outubro de 2008

Chuva

Tinha esperado por um bom tempo.
Beijou molhado, com a água escorrendo pelas suas costas.
E as mãos dela o abraçando, e seus olhos nos dela, e aquela síntese de todos os momentos bons que ele já viveu misturados num único brilho de olho.
Foi seu primeiro beijo na chuva.