quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Ana e o Mar - Segunda Parte do Terceiro Ato

'toda Alexandria sucumbirá quando o Medo retornar. Eles vacilaram em suas escolhas, e, agora, só nos resta esperar pelo tempo.'

- Palavras do Oráculo de Ramuh

*

O continente era realmente gelado. O porto não passava de uma ponte semi-destruída de madeira íngreme, com seus pilares já corroídos pelo tempo. A neve, branca como nunca se viu, tinha várias marcas de pegadas, pois o local, de alguma forma, não permitia-se ventar. O navio atracou um pouco antes, pois o solo escuro havia ficado menos submerso. Foram Ana, Joakim, Amália, T e Arnaldo num único bote, pois eles eram as únicas pessoas que ficariam naquele lugar. Pisaram em solo após cerca de 10 minutos tentando conduzir o barquete. As luzes da montanha mais vistosa estavam beeeem distantes, mas mesmo assim ainda dava para vê-las.

- Pensei que não iríamos chegar nunca! ; Arnaldo deu um suspiro enquanto desembarcava.

- Pois é; Joakim estava apreensivo, com seu cachecol preto com alguns detalhes rosas ao fim, e suas luvas não mais semi-cerradas. Colocou as mãos nos bolsos e desceu do bote.

Amália observou, ainda sentada, tudo o que a sua vista lhe propunha. Enquanto observava, ouviu-se o rugir das duas chaminés que estavam indo ao longe, e as únicas luzes que iluminavam aquele mar gélido sumiram no horizonte sem deixar vestígios.

- Vamos, T, se não morremos congelados aqui!; e deu seu costumeiro sorriso enquanto se apoiava no seu irmão de mágika. Desceram do bote e todos estavam à neve. Havia uma bruma pesada nos limites de seus olhos, e a única coisa que estava nítida eram as estrelas que se confundiam com as luzes.

*
- Eles já estão lá, posso sentir.
Quero que você vá agora.

- Sim, senhor.

*
- Pronto, senhor idéia brilhante, o que vamos fazer agora?; Amália encarou Joakim como quem se sente superior diante da situação.

- Faça uma varredura telepática pela área e veja quantas criaturas temos para nos preocupar.

Amália colocou as duas mãos à cabeça, apoiada nos seus indicadores e dedo médio.
De repente, ela viu o Mundo de cima.
Girava rapidamente, como um movimento de quem passa pelo tempo.
Sua atmosfera mudava com a mesma velocidade com que girava, e ela se viu pairando no universo, como uma coisa inimaginável, como uma coisa que não se imagina, como um navio ancorando no universo, sem porto nem cais, nem rota e nem nós.
Então ela o viu.
Era ele, tinha certeza.
Duas caveiras em seus ombros, botas pontudas e amarelas, indo até o joelho, uma calça verde por debaixo delas, e uma espécie de enchimento sob sua blusa, mais parecida com uma armadura, vermelha. Usava uma máscara metade branco, metade preto, que ia até o lobo traseiro de seu crânio. Duas espadas formavam um ‘X’ em suas costas, e eram espadas grandes, parecidas com as armas exóticas utilizadas pelos antigos cavaleiros medievais.
Em sua mão esquerda, uma tatuagem do coringa que se usa em baralhos, e em sua mão direita, o desenho de um balão vermelho.
Olhou para ela, que de repente se viu caindo do alto das estrelas e parando no local conhecido como Terra das Sombras.

- O que vocês pretendem, Amália de Liverá?; sua voz soava forte e branda, como uma rocha inabalável, como uma pedra de diamante, que não se quebra nem com a mais forte martelada.
Amália estava extática, se perguntando como ele poderia ter entrado em sua mente. De fato, era uma mágika muito poderosa, que só em olhar para ele, dava aquela sensação só sentida por ela uma vez em sua existência, aquela sensação ruim, que nos faz oscilar e pensar duas vezes antes de fazer qualquer coisa grande, aquela sensação que nos dá um sentimento de impotência, de infantilidade. Medo.

- Como você conseguiu entrar na minha mente?; ela fazia de tudo para não se mostrar fraca, mas sabia que quando ele a observava no fundo dos olhos era que ele sentia o medo fluir nas veias dela. E era justamente isso que ele queria.

- Meus poderes não têm precedentes. Ainda mais agora.

- Como assim, ainda mais agora?

- Foi a idiotice daquele menina que me libertou, você sabe, não sabe? Você sabe que a partir de agora tudo vai ser diferente, e você sabe que o medo que faz com que você trema agora é proveniente do que nós estamos fazendo. O maior erro de vocês foi ter me aprisionado naquele corpo, humano e frágil.

- Idiotice sua pensar que vamos nos render tão fácil assim. Você é só um, nós somos s...

- Sete? Tem certeza disso? Porque você acha que nenhum dos outros apareceu até agora? Porque você acha que se sente fraca a cada dia que se passa?

- Já chega de perguntas!

- Não, ainda não. Durma.

Do lado de fora, não se havia passado nem um segundo. Joakim havia virado para Ana para brincar com Arnaldo quando sentiu, do nada, a energia de Amália desaparecendo, e ela caiu, como quem se enfraquece de repente. A caminho da queda, Arnaldo, T e Ana viram-na flutuando, num baque silencioso e lento. Joakim estava se concentrando. ‘Mente sobre matéria’, pensou Ana. T a tomou em seus braços e Joakim tirou de sua sacola uma coberta, colocando Amália deitada sobre ela.

- Você sentiu?; Joakim olhou com um olhar diferente para T, que balançou a cabeça assertivamente.

Foi-se visto a bruma acima deles se dissipando junto a um portal de luz repentino. Se viram, num piscar de olhos, sob uma superfície gelada e, pela pressão, entendia-se ser essa superfície bem elevada. Um Palhaço foi visto parado, olhando para eles. Usava botas amarelas, uma máscara contrastante e duas espadas nas costas. Ana olhou, em estado de choque. Ele virou a cabeça para os quatro, agora sem Amália, e parou em Joakim e T. Quando olhou para Ana, ela o reconheceu como a quem reconhece uma roupa que usava quando criança, ou como quem reconhece um irmão, mesmo depois de muitos anos sem vê-lo. Então ela olhou como quem, inconfundivelmente, reconhece um pai.

Então ele disse, em tom de desdém:

- Oi, ‘filha’.

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